Carlos C. Varela
“As práticas anticoncecionais nom som propriamente de tradiçom na Galiza. Nalgunhas ediçons do ‘Ciprianilho’ atopam-se receitas desta classe, mas, seguramente, se nalgum tempo estivérom em uso, foi entre as solteiras o qual tampouco era corrente pois, polo menos na segunda metade do século passado (s. XIX), em muitos lugares nem tenhem por grande desonra o que umha solteira tivera filhos nem lhe punha dificuldade para casar com outro. Desde logo que, em distintos tempos, tem que ter habido grandes diferenças de liberdade no trato dos sexos. As práticas anticoncecionais entre casados começam a ser empregadas somentes nestes últimos tempos e, ainda assim, com reprovaçom geral”. Este parágrafo de Vicente Risco, impregnado de tradicionaismo, é do pouco que a etnografia galega clássica dedicou ao tema. Mas umha cousa é o que se sabe o outra o que há.
A EXPROPRIAÇOM DOS CORPOS
A caça de bruxas dos séculos XVI e XVII, que abriu passo ao capital, ensanhou-se no disciplinamento dos corpos das mulheres. Como sinala Silvia Federici, se “na Idade Média as mulheres tinham podido empregar distintos métodos anticoncetivos e tinham exercido um controlo indiscutível sobre o processo do parto, a partir de agora os seus úteros transformárom-se em território político, controlados polos homens e o Estado”. O ‘atrasso’ de Galiza e umha grande dispersom povoacional dificultárom a penetraçom deste controlo nos corpos camponeses, o que nom quer dizer que nomo houvesse intentos. Um manual religioso do s. XVIII expom: “Qualquier diligencia que se haga, para que no se siga humana generación, con el uso del Santo Matrimonio (…) y aun copula carnal entre los que tienen estado del Matrimonio, es pecado mortal y está prohibida”, ao igual que o aborto. Nos bispados galegos, aliás, tratavam-se as práticas anticoncetivas com um pecado penado com a excomunhom maior, ficando reservado o poder de absoluçom do mesmo ao bispo. Significativamente a Igreja punia muito mais duramente estas práticas preventivas do que o abandono das crianças.
O COPO DO MISIONEIRO
Da conceçom judeu-cristiá e aristotélica do útero como um ‘copo’ passivo que recebe a semente masculina, derivam-se algumhas práticas anticoncetivas tradicionais fundamentadas na postura durante a cópula. A fecundaçom nom se lograría naquelas posturas em que o ‘copo’ nom pudesse receber convenientemente o seme, o que daría a possibilidade dum sexo nom-reprodutivo e puramente prazenteiro. Jean Verdon, a propósito da Idade Média, aponta que a palabra “cabalgar” –tam habitual no nosso cancioneiro- referia-se à postura da mulher sobre o homem, mui usada na iconografía da fornicaçom. Nom era só umha postura contracetiva, senom um mundus inversus que que abalava toda a cosmovissom tradicional fundamentada no masculino sobre o feminino. Por isso mesmo a única postura no coito permitida pola Igreja era a do misioneiro, que é a que incula todo o repertório da cultura popular (cantigas, adivinhas, jogos, etc).
Há comarcas que aponhem a esterilidade das parelhas a umha postura ‘incorreta’, e noutras –sobretodo em zonas urbanas- crê-se que copulando de pé poderiam desfrutar sem riscos. Na tese do ‘copo’ feminino, por certo, enraiza o significado de jogos eróticos –mui sublimados simbolicamente- como o das olas no Entruido e no remate da Coresma. A ola, a jerra, o cantarinho… som alguns dos símbolos dos genitais femininos mais habituais na poesia popular.
O SALTO DO PASSARINHO
“O que mais se utilizava era o método da marcha atrás, pois, que ias fazer?”, explicava um vizinho da Ulfe. O coitus interruptus foi umha prática tam naturalizada em zonas como Pontedéume, Minho ou Cabanas, que nem tam sequer se consideraba um método anticoncetivo. No Baixo Minho chamavam-lhe, poéticamente, “salto do passarinho”. Nom era, contodo, umha técnica que empregasse todo o mundo. “Trabalhava limpo” ou “trabalhava fino”, di-se em Monfero do moço que a empregava, pois o habitual nas relaçons foi mais bem a despreocupaçom masculina. Dá a impressom de que esta técnica foi mais conhecida em zonas nas que se praticava o “moceio na cama”, já que umha maior permissividade erótica demandaría tembém um desenvolvimento das tecnicas de si.
Em Ponte Vedra e nas Neves pensava-se, como na medicina galénica, que a fecundaçom apenas de alcanzava através do orgasmo feminino, con todas as consequências que esta crença tinha para a sexualidade feminina. Por desgraça os informantes nom achegam mais dados, que permitiriam, ao jeito de Margaret Mead, pôr em relaçom na sociedade tradicional galega a consideraçom do organismo feminino com a existencia dum léxico específico.
A LACTAÇOM E OUTROS MÉTODOS
A prolongaçom da lactancia materna é um método anticonceitivo universal, e o segundo mais empregado na Galiza tradicional. Podia-se estender até que a criança falasse ou figera os três anos, mas também muito mais; nom obstante, en algumhas comarcas era tabu manter relaçons nesse período. O preservativo associava-se a relaçons extra conjugais e prostituiçom, polo que tardou muito em fazer-se habitual. Outros métodos eran as lavagens vaginais com produtos caseiros com vinagre, sal, macela, eucalipto, etc… Também espermicidas, que se colocavam com esponjas ou algodons no colo do útero, e se elaboravam com agua sabonosa, oxigenada, pirixel, ou mesmo pemento picante, como se tem feito em Padrom. Nas cidades às vezes encarregavam-lhes pesários aos ourives.
Aludia Risco aos métodos de Ciprianilho, mas a maioria da magia galega ia encaminhada à fecundaçom. Como exceçom às muitas romagens de fecundidade, aparece em Santa Comba de Lourençá, em Oia, a crença de que quem tocar a ara do altar ficará estéril. Quem sabe se esta crença seria empregada, em positivo, polas parelhas que nom quigessem mais filhos. Na Capela, por exemplo, ritualizavam esse desejo queimando a placenta da última criança que lhes nascesse.
A PERMISSOM DA SANTINHA
Romagens e festas eran um tempo extraordinário de ruptura com o tempo ordinário. E o sexo também. É bem significativo ao respeito a sinonímia entre ‘carícia’ e ‘festa’, que evidencia a homología entre festividade e sexualidade; e se o funcionalismo vê nas festas populares um espaço de convivencialidade festiva e generosa onde se engraxam as friçons que a quotidianidade vai gerando na comunidade, o cancioneiro popular insiste na ideia de que “entre casados fam-se as pazes deitados”.
Sexo e romagem vam da mao; como nos Milagres de Caiom, onde moços e moças vam “às favas”, isso que no resto de Galiza se lhe chama “ir à gesteira”. Assim fala o Padre Feijó de “torpes cultos al Idolo de Venus, en vez de devotos obsequios à Dios, y a sus Santos”, e o reitor de Alborês, Maçaricos, mesmo declara perante a Inquisiçom que as romarias “no eran sino Ramerías”. Mas onde os puritanos representantes da religiom oficial acham monstruosidades, o povo simplemente desfruta dum relaxamento da moral sexual perfeitamente lógico na sua cosmovissom. Até o ponto de ser sancionado polos santos e santas, que no seu dia avalavam um sexo puramente erótico, fazendo extensível essa “moratória de quotidianidade” de que fala Marquard à própria reproduçom. “A Nossa Senhora das Virtudes –aponta Syra Alonso no seu diario- nom pode fazer virtuosas todas as moças” de Vitre, Frades, “mas nesse dia perdoa as que pecárom”. E no San Cámpio de Figueiró “era tal o que representava Sam Cámpio para as mulheres –explica um romeiro- que criam que na noite do 7 ao 8 de setembro nom havia procriaçom” para que pudessem ir tranquilas à gesteira.
“Co’as soedades nom podo
desenganchar o refaixo
que andam os meus amores
polo agro de San Cámpio”
(5/12/13, Terra Ancha)
(Artigo publicado na edición impresa do Novas da Galiza número 135)