Carlos C. Varela
SUBCOMANDANTE SPINOZA (1/1/14)
“…cunha serea furia
antiga e sabia…”
Lois Pereiro, “Amor e sangue en Chiapas”
De serem certas as investigações de Fidel Fita, Miguel de Espinosa teria morado numa casinha da praça maior de Ourense com a sua familia. A perseguição antisemita fai-nos fugir. Já nas Províncias Unidas, o seu filho Bento –que em ocasiões escreve no seu materno galego-português- converterá a filosofía numa prodigiosa feramenta de libertação, que ainda continua a funcionar. “Hoje, um manifestó, um discurso político, debe aspirar a cumprir a função profética spinozista, a função dun desejo imanente que organiza a multidão”, pois, na realidade “ao chegar a Spinoza, o horizonte de imanência e o horizonte de orden político democrática coincidem plenamente”, escrevem M. Hardt e T. Negri. Também o coletivo Tiqqun, que embora não o citem são puro spinozismo: “Que me importa um saber que não me serve para acrescentar a minha potência, isso que SE denomina pérfidamente “lucidez”, por exemplo?” Para Tiqqun “o processo revolucionário é um processo de acrescentamento generalizado de potência ou não é nada”.
Mas isto não deixa de ser consciencia crítica. É onde o mundo se chama Chiapas que Spinoza se torna “corpo crítico”. Para a antropóloga Shannon Speed o zapatismo soubo reconfigurar a resistência, pasando de reclamar direitos a exercê-los. “Os zapatistas queremos exercer o poder, não tê-lo”, explica Marcos. Também a Subcomandante Esther: “Agora temos que exercer os nossos direitos nós mesmos. Não precisamos permissão de ninguém”. Speed acha neste processo uma posta em prática de teoria spinoziana do direito: “O direito de natureza e a sua ordem (…) proibe só aquelas cousas que um não deseja e não pode fazer”. “É dizer –aclara Speed-, para Spinoza um direito do corpo era coextensivo com o que puder fazer”. O corpo do zapatismo não deixa de incrementar a sua potência: cresce, alimenta-se, cuida-se… sem depender do Estado que o quer destruir.
Ainda se poderia dizer com Sarrionandia que “O ‘direito’ de autodeterminação invoca-se em sentido abstrato, indeterminado e um tanto vitimista. Não é mais preciso falar de ‘obrigação’ de autodeterminação?” Assim deixaria-se de invocar tal direito como pretexto para não irmo-nos autodeterminando. Às vezes, no soberanismo galego, ouvem-se críticas a quem começa a caminhar porque, dizque, o que queremos é chegar. O zapatismo desfijo-se de todas as urgencias políticas, menos da urgencia de fazer as cousas bem. Começaram a andar à luz do dia há vinte anos, e um dia como hoje, Rosalinda de Oventic pode dizer com orgulho: “El mal gobierno no nos hace caso. Ahí que se quede con sus pendejadas. Ya sabemos formar nuestros municipios autónomos”.
POPULISMO PENAL (3/1/14)
Conhezo um neno que, quando ouvia cousas como que condenaram um homem a 200 anos de prisão, paralisava-se de horror imaginando mazmorras com esqueletes dentro, que as famílias do preso não poderiam retirarem até se cumprir íntegramente a condena. Que a infantil imaginação do cativo coincida com a dos estatistas espanhóis dá que pensar.
Após a conhecida sentença de Estrasburgo a imprensa do regime lançou-se a uma infame campanha de populismo penal, reivindicando cárceres-cemitérios. O absurdo chegou também à revista Tempos Novos, em cujas páginas opina Justo Beramendi que não está justificada a aplicação retroativa da lei, por muito que “esa normativa, por certo procedente do franquismo, fose excesivamente benévola na redención de penas por traballo ou por estudos, que o era”. Suscreve o historiador esse mundus inversus da direita mediática espanhola, conforme o qual, o último regime fascista de Europa se caraterizaria pola sua benevolencia penal, nomeadamente com os presos políticos.
A enxurrada propagandística silencia qualquer dado objetivo, com o que cada quem pode tirar as suas próprias conclussões. Ninguém se molestou em dizer que o Estado español é o único de Europa onde não existem as redenções de penas por trabalho ou estudos, à vez que tem as condenas mais longas. A aza radical do populismo penal pede a condena perpétua, como se muitos presos do Estado español não cumpriram condenas muito mais longas do que as “perpétuas” europeias. Ao se ler a sentença de Estrasburgo, a apresentadora de “24 horas” mostrou-se preocupada porque saiam presos bascos à rua após “unos pocos años en la cárcel”. Apenas o jornalista Alberto Pradillo se preocupou de contrastar dados, e evidenciar que condenados do IRA ou a RAF alemã estiveram bastantes menos anos encarcerados.
A taxa de criminalidade do Estado español, e dentro dele a Galiza, é das mais baixas de Europa. Porén em taxa de encarceramentos só o Reino Unido o supera, o primeiro estado em aplicar as doutrinas penais estadounidenses. Em 1983 havia no Estado español 14.659 presos, multiplicando-se até os 64.000 de 2006, continuando a crescer até hoje. Também vence Espanha no ránking policial. Se a média da União Europeia é de 340 policias por cada 100.000 habitantes, no Estado español são 505, chegando a 690 no País Basco.
Na investigação clássica de George Rusche e Otto Kirscheimer, apoiada em dados duma duzia de sociedades capitalistas, conclui-se que o cárcere produze justamente isso que di combater. Por palavras de Loic Wacquant, “existe uma correlação estreita e positiva entre a deterioração do mercado de trabalho e o ascenso dos efetivos encarcerados –enquanto que não existe nenhuma ligação comprobada entre taxa de criminalidade e taxa de encarceração”. Na França, desde 1975, a curva de desemprego e a dos presos seguem “uma evolução rigorosamente paralela”.
Tampouco há nenhuma evidencia de que o incremento das penas reduza o número de delitos. Por isso, quando Espanha e Reino Unido se lançaram à filosofía penal neoliberal, os países escandinavos e outros optaram por implantarem a política oposta. Dado que o cárcere só serve para deteriorar pessoas, que sentido tem abrir mais? Apostaram em priorizar sanções como multas, liberdades condicionais, terceiros graus, etc… Entre 1985 e 1995 a população reclussa de Austria desceu 29%, e a de Finlándia 25%, sem que houver nenhum aumento de criminalidade. Atualmente Suécia está a programar o peche de mais cárceres. No entanto, no Estado espanhol, até a “inteletualidade” se aponta aos democráticos linchamentos e a reificação dos presos como objetivo de consumo moral. “Não vés que quanto mais miseráveis são mais se ensanham no linchamento –sixiam no pésimo western que botarom ontem., assim crem-se justos e honrados”.

POESIA DO CÁRCERE (4/1/14)
Aqui lemos as noticias no teletexto. Publicam informação telegráfica tirada das agências, e atualizam cada poucos minutos. Não têm mais de três ou quatro linhas, e muitas vezes descolocam-se-lhes. Então a pouco dissimulada desinformação transforma-se em genialidade dadá:
“La previsión meteorológica para mañana es el País Vasco exigir a los expresos de ETA pedir perdón”
“El Camino de Santiago mejora su aspecto a su paso por el Ayuntamiento de O Pino tras la eliminación de un responsable de Política Lingüística”.
Poemas automáticos como o que Borges e Eugenio Montes enviaram a Tristan Tzara, com expressões como “fodido” ou “Ei carballeira!”. Mas o teletexto mesmo se atreve com um ready made:
“La Policía logra superar al FBI en número de seguidores en Twitter y ya es el cuerpo policial más seguido del mundo”.
“VENTO E CHUVIA” PARA IMAGINAR A NAÇÃO (7/1/14)
Preocupava-se Wim Wenders porque “temos o subconsciente colonizado por Hollywood”. Não porque os seus filmes sejam “verdadeiros” senão eficazes. Como nos vamos descolonizar então, só com razões e desprezando as emoções? As grandes maquinarias de colonização, como os EUA, despregam autênticas “superproduções” dos sentimentos de pertença aos seus valores. Para o caso do nacional, Vázquez Souza gosta de pôr o exemplo do famoso fillme “O último patriota”, violenta apología do patriotismo estadundense. As milicias galegas anti-napoleónicas eran mui parecidas às que se vem no filme, mas se durante o s. XIX e começos do XX foram um símbolo fulcral para a renascença galega (para imaginar a nação), hoje não conta nada. Na época do cinema já pouca vida podem transpirar essas antigas gravuras decimonónicas –quiçá espetaculares no seu tempo, ou os relatos na linguagem da época.
Na Galiza não há os médios para fazer um filme como o de Mel Gibson, claro, mas ainda se os houver, apareceriam dúzias de historiadores hipercríticos que não entenderiam que um filme não é uma tese historiográfica. Em tanto que identidde subalterna, à comunidade imaginada galega ven-se-lhe mais as costuras do que a uma dominante, não está naturalizada e nota-se-lhe mais que é uma construção (ao igual que qualquer outra). Quiçá por isso os complexos inteletuais que nos levaram a desenvolver a estranha libido sciendi de deconstruir sem compaixão os nosso reuinosos símbolos. “Crer que estava a suprimir ruínas; mas, em verdade, atava a construir ruínas”, aporía G. K. Chesterton.
Daí o “esbanjamento de recursos simbólicos” do que fala o Antom Santos, polo que temo suma história, geografía e tradições tão ricas como qualquer outra, mas sem que as capitalizemos como recursos simbólicos para imaginar uma comunidade mais libre e justa. Paradoxalmente este positivismo também constringe a ciencia: enquanto o biólogo denuncia a inconsistencia de truita de Schubert esquece investigar a que nada no rio. Por exemplo no que atinge à Idade de Pedra e o celtismo, não só há muitos investigaodres dedicados a batalhar com o mito celtista, senão que quem só quereria viver a história –como qualquer um francés que gosta de ler um romance histórico-, só o pode fazer através do academicismo e entrando nas leas científicas. O caso da língua e a filologização do ativismo lingüístico é outro exemplo.
O grande mérito de Manuel Gago, enfim, é ter-se dado conta de que estavam a fartar a gente de bibliografia especializadíssima, quando o que queriamos era um “Asterix na Gallaecia”. E sobretodo, que uma cousa não quita à outra… Mais bem o contrário.
TANTAZ TANTA E A VELHA POLÍTICA (12/1/14)
Afinal o Estado, tal e como figera já com CIU, não lhe deixou outra saída ao PNB de que a de encabeçar a manifestação de ontem em Bilbao. Será um ponto de inflexão, como foi o do Estatut? Em todo caso, por baixo desta “alta política” estavam-se a producir interesantes modulações nas reivindicações pró-presos. Já Herrira encetara uma lógica distinta à das organizações clásicas, mas com a sua ilegalização e a rápida conformação de Tantaz Tanta (“Pinga a pinga”) aprofundaram ainda mais e com grande originalidade na democratização do movimiento. Tantaz Tanta chamava a criar um océano, um maré polos direitos humanos sem faixa de cabeceira, nem percurso oficial, nem discursos finais, nem participação de partidos. Os apoios recolheram-se a nível individual, pinga a pinga, porque não se tratava duma mobilização de “massas”, senão de criar uma “multidão” para levar as presas à casa.
Apenas dous autores políticos não o entenderam: o Governo español e alguns grupos de esquerda (IU, Equo, Batzarre…) O primeiro, com o retrouse de “é todo o mesmo” negou-se a entender que a cada golpe foram ampliando e democratizando o movimiento polas presas. Os segundos, en fora de jogo e atrapados na velha políticia, emitiram um comunicado lamentando que não se lhes possibilitasse, como partido, “incorporar ideias importantes à iniciativa”, decidindo não participar. O caso é que de Tantaz Tanta insistiram em não partidizar a iniciativa, polo que não queriam adesões de partidos mas de pessoas. Recusaram estes partidos, polo tanto, uma invitação que ninguém lhes fizera. Como o marxista Groucho, que se negava a fazer parte de um clube que aceitasse um sócio como eles, mas ao invés. Quantas histórias repetidas como farsa veremos antes de que nasça o novo?

A SEMENTE E O PÚBLICO/PRIVADO (17/1/14)
Nas cidades galegas, os filhos de galegofalantes –mesmo de dirigentes nacionalistas- chegam à casa falando español de volta da escola. Não é por hipocrisia dos país, nem muito menos, senão porque vivem imersos num océano de espanholidade, que exerce uma continua e quase atmosférica pressão. A diferença de outros países próximos com um problema parecido, na Galiza nunca se desenvolveram redes educativas próprias como as das calandretas, diwans, ikastolas, brenolas… Até que a Gentalha do Pichel, recuperando um projeto das Irmandades, se atreveu com a Semente.
A escolhinha da Gentalha provocou uma pequena trevoada no nosso inexistente espaço de debate. Como sempre que surge algo novo, intentou-se reenviá-lo as velhas categorias e aos dispositivos de falsas oposiçons, neste caso ao pseudodebate público/privado. Acusou-se a Semente, comunitária e não-estatal, de “privada”, e polo tanto ineficaz para as necesidades populares. É certo que é “privada”, se admitimos que o exército guerrilheiro anti-franquista, a RAG ou a CIG, também o são. Isso sim, com a diferença de que estas duas últimas organizações dependem de dinheiro do Estado e a Semente não. Explica-o com paciencia César Manzanos:
“não podemos identificar o público com o estatal, nem o privado com todo aquilo que não é Estado. A diferença entre o público e o privado radica, embora nem tão só, mas sim principalmente, na existencia ou não de ânimo de lucro na intencionalidade das ações humanas. E ânimo de lucro significa fazer prevalecer os interesses de quem obtêm beneficios do trabalho, dos votos ou das ideias dos demais”.
Há escolas privadas que recebem ingentes quantidades de dinheiro estatal, sem por isso fazerem-se mais públicas, e bem pudera haver escolas comunitárias mais públicas do que as estatais, com as do agrarismo ou o asociacionismo de emigrantes.
Pode ser que nestes e outros debates, como indica Isaac Lourido, as equivocações se produzam porque se fala desde lugares mui distintos. Quem fala com a cabeça posta na política institucional, pensa este debate em termos de votar uma ou outra opção numa sessão parlamentária. O ativismo do movimiento pensa-o moutra chave. Pensa-o como as Black Panthers: a questão não é se queremos ou não que o Estado dê o pequeño-almorço às nossas crianças grátis na escola, a questão é se continuamos a deixar que passem fame ou não.
HESPANHOLISMO NO CINEMA (18/1/14)
Um documento sociológico interrompe o tédio carcerário. Em ‘Cine de Barrio’ emitem “Una abuelita de antes de la guerra”, de Vicente Escriva (1974). O filme começa com imagens bucólicas do vale de Lourinho: o trafego camponês, os trajes tradicionais, o esplendor das agras… A senhora do paço –a “abuelita” do título- afana-se em pôr orden no serviço domêstico, e assiste às parturientes da paróquia com o seu advogoso São Donatinho. O elevado número de partos, explica-se-nos, é porque “as noites são mui longas e vai muito frio”. Até aquí uma colonialidade clássica, esse “galleguismo” (no sentido em que Edward W. Said fala do orientalismo” que constrói a imagen da Galiza e os galegos como objetos. Mas então uma chamada telefónica volve o relato mais complexo. O filho da senhora, um empresario com grande éxito em Madrid, está hospitalizado por um acidente. A avozinha dispõe-se imediatamente a partir para a capital espanhola, numas sequências que a apresentam, junto com a sua criada de confianda, como duas indígenas na metrópole. Chegam ao vanguardista chalet do filho, e o primeiro que vê a matriarca é um guateque na piscina, comandado polo neto mais velho. O moço sauda-a com sorna e rouba-lhe à criada a empanada que trazia. Entram à casa, e agora é a neta a que retoça em banhador com um rapaz, do que mais adiante ficará grávida. Recebe-as amaneirado mordomo, e esta perfeita Sodomo e Gomorra completará-se para a velha quando se inteira de que o acidente do filho se produziu durante uma escapada com a sua amante favorita. Com a nora, castelhana, nunca se elvara mui bem. Apenas se salva do desastre o neto mais pequeño, um neno feliz por ver a avoa, e que recorda com entusiasmo o último verão em Lourinho, brincando com os aldeãos.
As personagen estão apresentadas:
-A criada é a ‘galega’
-A avoa a ‘gallega’
-O filho o ‘gallego – hespanhol’
-A nora a ‘castelhana – hespanhola’
Como quem diz, arquetipos históricos na Longue durée. A criada como indígena; a avoa como gallega, isto é elite nativa, matriz que conserva a essência. O filho é a expansão hespanhola, o gallego que triunfa indo cara o sul, e a nora é a castelhana que ameaça o equilibrio. Se os netos mais velhos sairam “à espanhola”, o cativo deveze pola Galiza. É o herdeiro. Não foi a Galiza centro educativo dos monarcas até meados do s. XIV? Há umas semanas a mesma canle de televisão projetou outro documento impagável: namais jurar Juan Carlos I as leis do Movimento, Franco leva-o a ele mais a Sofia de Grécia a pasar uns dias à Galiza, ao solar fundador. Alojam-se em Meirás, há gaitas, passeios pola ria e ofertas dos nativos achegando-se em barquinhas… A reportagem do NO-DO ajuda a entender muitas cousas. Mas voltemos ao desenlace do filme.
Como muitas narrativas coloniais, esta articula-se em chave sexual mas com a especificidade galega: e a gallega a que lidera a missão civilizatória, é como um colonialismo de ida e volta. Para fazê-lo (e mui significativamente) terá que metamorfosear-se numa senhora moderna. Uma vez modernizada pôe orden nesta promiscuidade sexual: resolve o matromónio da neta grávida e reinstaura a orden conjugal do filho, suavizando a castelhana e desfazendo-se da amante. Culmina a obra “heteronormativizando” o mordomo, juntando-o com a criada galega.
É evidente que isto não encaixa no colonialismo clásico, com o paternalismo como expressão. Antes bem, é uma desorden produzida polo desrespeito aos velhos, à gallega, da que todos rima o começo, polos seus modos, rústicos e sotaque. Tampouco é unidirecional, pois também há relações de dominação gallega-galega. Galiza apresenta-se como “reserva espiritual” duma Hespanha ameaçada de espanholizar-se por influxo castelhano. E se no relato colonial clásico os indígenas são uns animalisados seres promíscuos que devem ser civilizados, aquí a desorden sexual está em Madrid, contraposta à sexualidade cândida e cristã que em Lourinho se traduze em filhos com a bênção de Deus ( e o São Donato). Galiza é a avoa de Hespanha, mas como esta não respeite os seus velhos e as suas origens acabará desestruturando-se. Isto não é outra cousa que o núcleo central do Sempre em Galiza.
Por último, os maliciosos quiçá se lembrem dumas declarações de Manuel Fraga (El País, 18-3-2001), nas que se orgulhava ter-lhe dado três bons conselhos a Mariano Rajoy: casar, dar uma volta por Madrid, e aprender galego. Fijo-lhe caso em tudo, menos no último.
RENDÍVEL OU SUSTENTÁVEL? (23/1/14)
O utilitarismo está a ter muito sucesso no ativismo cultural e linguístico. O artigo de Ramón Caride no Sermos Galiza nº 80 é representativo:
“A cultura non subsistirá fóra dunhas canles de mercado, nas que o retorno económico para o custe das producións e o mantenemento dos seus creadores debe vir, en todo ou en gran parte, de espectadores ou consumidores”.
A ideia subjaz é que a cultura (seja o que for isso) só pode florescer a instancia do Estado ou bem do Capital. Dado que o primeiro cortou as ajudas culturais, o mercado é o único ámbito de salvação da cultura. Outra focagem poderia dizer que a cultura galega não deixou de ser rendível (ou não rendível) até que se transformou numa mercadoría.
“Isto supón un cambio de modelo e mentalidade comparable ou da Xeración Nós (…) A nosa cultura futura será industria ou non será nada. O noso país ten unha forte personalidade que debemos conservar, pero hoxe en día é difícil conservar algo, mesmo imposíbel, se non xera un retorno económico”.
Mas se isto está a ser cada vez mais assim, é em boa medida também pola difussão do utilitarismo, que mais que dar no “útil”, dá no “deber de utilidade”, como lhe chama Alain Caillé. Os movimentos de transformação social ou cultural sempre prcuravam irem para além do voluntarismo, e tornarem estruturais as suas mudanças: para torná-las sustentáveis, que não é sinónimo de rendível.
“IAGO: Dende a ventá da miña cela vese unha chaira e
catro arboriñas solitarias. Son tan pequechas e enxumidas
que máis ben semellan matogueiras. (…) aquela chaira
interminábel e estraña”.
ROBERTO VIDAL BOLAÑO, Rastros

O SORRISO DAS ÁRVORES (24/1/14)
“… está falta de árvores e cheia de
homens maus e viciosos…”
CÓDICE CALISTINO
Com a náusea Roquentin angustia-se perante a contingencia da materialidade, mas quando se sobrepõe, é o sorriso das árvores o que o resgata: “Ergui-me, sai. Ao chegar à verja, volvi-me. Então o jardim sorriu-me (…) O sorriso das árvores, do maciço de Loureiro queria dizer algo; aquele era o verdadeiro secreto da existencia. Recordei que num domingo, não há mais de três semanas, tinha captado nas cousas uma espécie de ar de cumplicidade…” A mesma complicidade da que falam em To the lighthouse as personagens de Virginia Wolf? “Resultava curioso, pensó, como, quando alguém estava sozinho, se apoiava nas cousas, nas cousas inanimadas; árvores, ríos, flores; sentía que davam expressão ao seu próprio ser, que se convertiam nele, que o conheciam; que em certa maneira, eran ele, e sentía desse jeito a mesma ternura irracional polas cousas (contemplou o longo destelho luminoso) que por um mesmo”.
Como habitar um lugar sem árvores? Um não-lugar sem árvores, mesmom se não houver muros.
Conheci o Buba no ventre da Audiência Nacional. Fazia um frio do demo. Com umas mantas nojentas arremoinhamo-nos como pudemos na mazmorra. Como dous tuaregues, mas num azul podre. O Buba é da Guiné-Bissau, e amigo da conversa. Falou-me fascinado do seu país, “o mais bonito do mundo”, embora destripado pola maldita guerra. Perguntou-me polo meu, e ainda ben não lhe explicara e já entenderá tudo: “Ah! Bem sei, bem sei.. A Galiza é como Porto ou Braga, não é? Eu estive por lá. É um país verde e com árvores… Espanha não.. Espanaha é um país triste de árvores mais tristes ainda”.
OS GERÁNIOS DE ABDELKRIM (28/1/14)
Para o Aarom
A brisa balanceia a ilha Reunião num berce de salitre. No médio dum enorme campo de geranios trabalha um homem. Um mouro que rondará o médio século. Sobrevive das hortalizas da terra, mas os geránios são que fazem viver. Como uma abelha delicada, extraze-lhe o perfume que depois venderá numa lonjinha em Saint Denís. Pareceria um romance de Baricco, mas o mouro é Abdelkrim e Reunião o desterro. O guerrilheiro dos perfumes nutre-se também de alguma boa notícia: a queda da monarquia espanhola, os progresos de Gandhi contra o Império Británico… O indiano recoletara doara-lhe medicinas apara a República do Rif, para curar as feridas do colonialismo español.
Naquela guerra muitos galegos descobriram a sua espnaholidade, à calor duma camaradagem assassina. Outros começaram a sonhar uma Galiza libre, longe de aquela loucura. Mas a maioria, resignificou como pôde aquelas experiências no marco do seu mundo. São estes, que já foram morrendo, os que falavam nas aldeias dum Abdelkrim que só nós conhecemos. Um de tantos foi o paisano de Morgade que conhecera Vicente Risco. Fora feito prisioneiro por Abdelkrim, e assegurava ter-lhe ouvido dizer aos independentistas que só parariam quando recuperassem a cadeira de ouro do rei mouro do castro de Morgadám.
De entre todos os que se descobreram espanhóis matando mouros, destacou por méritos próprios o galego Franco, na estela dos grandes patriotas por complexo como o corso Napoleão ou o georgiano Staline. Não se entende o franquismo sem o “africanismo”, gostava de reconhecer. E por ali continua. Em Melilha mantem-se a sua última estátua num espaço público, a pesar de que em 2008 prometeram retirá-la. Juan José Imbroda, do PP, aclara que não é uma homenagem ao ditador –não vaiam pensar mal-, senão ao tenente-coronel da Legião que reprimiu a insurreição independentista. Entretanto, o Museu Militar de Melilha, dependente de Defesa, refere-se nos seus textos ao golpe fascista como “Guerra ou Cruzada de Liberação”.
Com a polémica das “concertinas” do Muro de Melilha –que são iguais que as dos cárceres- a esquerda espanhola volveu exibir as suas limitações. Um político do PSOE propus substituí-las polos mais humanitários drones (quem sabe se lançados desde a Galiza). Julio Anguita, após achar brutais os arames farpados, perguntava-se se não se poderia aperfeiçoar o muro de algum outro jeito. O muro, natural e imutável. O “califa de Córdova” visitara Melilha no Natal de 1995 para explicar porque IU já não consideraba que fosse uma colónia. O Melilla Hoy mostraba-se exultante, com uma capa na que celebrava: “Anguita afirmó en Melilla el respaldo de IU a la españolidad de nuestra ciudad”. Na II República o nacionalismo galego, basco e catalão, junto con CNT e POUM, reprochavam-lhe ao PCE não apoiar a independência das colónicas africanas. Escudavam-se num “respeito ao direito de autodeterminação” que se traduzia em conformidade com o statu quo.

AS LÍNGUAS E O ‘SE’ (29/1/14)
Em Melilha 60% de estudantes têm a língua tarafit como materna, mas o reconhecimento social desta língua amazigh é nulo. Em Ceuta 40% de população e 60% de estudantes fala o dariya, árabe coloquial. Não estranha que estas duas cidades autónomas tenham o maior percentagem de fracasso escolar do Estado. Contudo, Francisco González, delegado do Governo espanhol em Ceuta, recusava enérgicamente incluir o dariya nos planos de estudo: “Nem sequer é um idioma. Para que um idioma o seja têm-se que dar dous componentes: a fonética e a sintaxe. O primeiro tem-no, mas o segundo não, não se escreve”, declarou no El Faro de Ceuta. Por não reconhecer, como Max Weinrech, que “uma língua é um dialeto com um exército e uma marinha”, constroem-se todo tipo de justificações filológicas, mas é esta nem sequer passa do “porque sim!”. Bota mão Francisco González do imperativo impessoal; o dariya “não se escreve”; quiçá pola mesma razão que o muro das ‘concertinas’ se pode vigilar com drones ou aperfeiçoar arquitetonicamente, mas não se pode derrubar.
SARRIONANDIA E A PRAÇA VAZIA (30/1/14)
“Nenhum medo tenho a esses homens que têm por costrume deixar n ocentro das cidades um espaço vazio ao que acodem todos os dias”, esbardalhou o rei persa Ciro –segundo conta Herodoto- contra a democracia grega. Em Somos como mouros na névoa? Joseba Sarrionandia, como preambulando o 15-M, fai a proposta de entender a política como a construção da praça vazia, para que medre uma política que está sequestrada por Ciros. O refugiado basco descreve assim a situação atual:
“Na praça da polis há um velho monolito com uma inscrição inspirada por Remy de Gourmont: “os demais têm-se que deixar impor a nossa língua, mas nós não vamos deixar impor a sua”. É um dos trastos que enchem a praça, vem-se também ruínas duma igreja, está a Guarda Civil, há homens emprestando dinheiro. Há um rei esquiando, há um dron, e até há milheiros de cópias dum catálogo que se chama Constituição, inventário de objetos depositados nessa praça que os que inventaram a democracia pensavam que devia estar vazia para que coubesse toda a gente. Mas a maioria nem se acercaram a essa praça, na realidade, porque sempre está cheia de cousas e quase não se pode nem pasar”.
Mas os Ciros –e esta é a chave da proposta de Sarrionandia- não são só “os outros”; também as pracinhas que nós fomos habilitando, para fazer-lhe fronte à ocupação da praça central, estão cheias de armatrostes que não deixam espaço à gente para que se encontre e fale. Repleta de velhos móveis familiares, preitos do passado e adversões herdadas, não serve para muito. A leira está tão cheia de marcos que não há quem sache: é tão improdutivo o terreno que o que realmente está em jogo é defender os marcos de cada quem. Saber despejar a praça, fazê-la servível para o que se criou, é isso que em Espanha estão a chamar “despolitizar-se para poder-se politizar”. Também o independentismo na Galiza, por exemplo, soubo despartidizar-se para politizar-se nos centros sociais, mas não é suficiente ainda. Há que ampliar esse vazio revolucionário. Ou isso ou continuar na suicida comodidade de culpar a gente de não se atrever a entrar nesta nossa pracinha, cheia de cousas, nas que nem nós estamos mui a gosto.
CRONÓPIOS E BUBELA (30/1/4)
O dia começou alegre com um cronópio de Cortázar:
“Agora passa que as tartarugas são grandes admiradoras da velocidade, como é natural.
As esperanças sabem-no, e não se preocupam.
As famas sabem-no, e burlam-se.
Os cronópios sabem-no, e cada vez que encontram uma tartaruga, tiram a caixa de gizes de cores e sobre o redondo quadro – preto da tartaruga desenham uma andorinha”.
À noite há correios, e uma cronópia envia-me um passarinho de cartão. Três pecinhas compõem uma bubela, que já de primeiras me diz que não gusta da estepe.
Como um desses temerários papagáios que no franquismo assobiavam a Internacional nos momentos mais inoportunos, ameaça-me, a mui pilhabana, com botar o faraldiano “berro de Varsóvia contra os rusos de Madrid” quando os famas passem o reconto. “É que vaia páramo”, queixa-se-me.
Esta tartaruga, na que já não cabem mais andorinhas, tem por força que dormir hoje com um sorriso bem grande.

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