ETNOGRAFIA DO MONTE DE VÉNUS

Carlos C. Varela

“Ramiriño, hoxe hai unha sorpresa, non levo

bragas. Ergueu amodiño a saia e a el púxoselle un

gallo de castiñeiro na gorxa cando viu aquela cousa

afeitada, como unha boquiña miúda ollando sorpren-

dida. Como carallo pelaches a crica, ti non estás ben,

e ese sábado non houbo nada, á parte do enfado”

Ramón Vilar Landeira, Estación Queixas-Londoño

A grande caça de bruxas foi, como destaca Silvia Federici, a violencia fundacional da Europa moderna e da acumulaçom capitalista originária, umha brutal contrarreforma que reage contra as revoltas camponesas envolvendo-se, pola primeira vez, nas formas do “anti-terrorismo” (1). As mulheres, em tanto que principais representantes do comunitarismo, serán o alvo principal. É neste contexto que a geografia cristiá do corpo se torna anatomia política, especialmente nessa encruzilhada do mal que é o Monte de Vénus, onde o sexo –fonte do maléfico- e o pêlo –a parte mais vil, suja e luxuriosa do corpo- se unem. A Inquisiçom enceta a enclosure dos Montes de Vénus, tornados espaço político, campo de batalha do novo patriarcado capitalista. Kraemer e Sprenger recomendam no Malleus Maleficarum que os torturadores –especialistas na construçom de bruxas-terroristas no corpo de parteiras, curandeiras, labregas e mulheres em geral- começar sempre os interrogatorios “despindo as mulheres para rasurar-lhes os pêlos de todas as partes do corpo”, pois “entre os vestidos como entre os pêlos do corpo, e mesmo noutros lugares mais íntimos que nom se nomeiam, ocultam instrumentos que lhes servem no malefício de nocturnidade” (2). A prescriçom, seguida ao pé da letra polos inquisidores, incluia às vezes o uso de álcool: rociavam com ele o corpo das mulheres antes de pôr-lhe lume, para queimar até as raízes dos cabelos. O mesmo poder que cercava os comunais enlouquecia na deflorestaçom dos Montes de Vénus. (3). (Deste saber-poder, e nom de “razons científicas”, parte a genealogia de práticas atuais como o rasurado do pube das parturientes, vivido por muitas mulheres como um ritual de humilhaçom e poder).

Mas a construçom anti-bruxeril era mui elaborada, ainda que em última instância, dominada polo mal chamado ‘argumento diabólico’, conforme o qual tanto um argumento como o seu contrário som empregados na contra da acusada. É conhecida a associaçom da bruxaria com o sexo, mas a teoria inquisitorial era mais complexa: posto que o desejo aninha em qualquer humano, o que realmente carateriza a bruxa nom é a comum debilidade da carne, senom que se entrega ao sexo só por ofender a Deus mesmo sentindo el ador e nom prazer (as “confessons” falam de coitos dolorosos com o diabo, desgarros, pénis de ferro, sémem tan frio que gelava as entranhas, etc…). Igualmente, o pêlo púbico aparece de jeito natural, como um recordatório do feminino pecado original, fragmento de selva que toda mulher porta em si; o verdadeiro signo de bruxaria era o rasurado, mas nom tanto pola desnudez que inaugurava quanto polo possível uso dos pêlos cortados em meigalhos. “As bruxas –explicava Paracelso- entregam os seus cabelos a Satanás em aras do contrato que assinam com ele. Mas o Maligno noma tira estes cabelos, corta-os mui pequeninhos e mistura-os com o hálito que lhe serve para formar a saraiva; por isso se costuma descobrer cabelos mui curtos dentro das pedras de saraiva” (4). Na medicina mágico-bruxeril galega, que atribuí a doença às bruxas e o demo, o pêlo é omnipresente: a procura de pêlos de mulher –ou dum animal fêmea- é muitas vezes a chave de elaboraçom do diagnóstico, e muitas curaçons materializam-se na expulsom de bolas de pêlos (5).

Todo isto explica a surpreendente informaçom que, a começos da década de 80, umha pessoa dava à antropóloga Paz Moreno Feliú, quando realizava trabalho de campo: “dizia-se que eran meigas as que tinham olhos com manchas ou as que nom tinham pêlos em aquela parte. Sabia-se porque antes as mulheres andavam quase despidas, despidas nom, mas nom tapavam como tapam agora, levavam saia e enaguas, mas nom usavam bragas, outras usavam calçoncilhos como os dos homens de antes, abertos por diante e por tras, e por isso se sabia quem nom tinham pêlos” (6). Igualmente, para os Vaqueiros de Alzada, “a definiçom esencial de bruxa, segundo os homens, é a de “umha que nom tem pêlos nas suas partes”, caraterística mui temida e que se considera causa suficiente de anulaçom matrimonial” (7). Também Murguia, no seu afán de registrar romances, deixou apontado este esconjuro da noite de Sam Joám:

“(…) peladas eran, peladas serán

tódalas meigas que andan polo chan;

peladas son, peladas eran

tódalas meigas que andan pola terra”. (8)

Progressivamente proscrito polo erotismo moderno, o pêlo púbico tinha muita importância no erotismo popular galego (9). Como sinécdoque dos genitais, o pêlo púbico inspirou um rico leque de metáforas eróticas, entre as que destacam as relacionadas com o linho. Todo o ciclo deste cultivo –acompanhado, da recolha à fia, por jogos eróticos- estava em maos das mulheres, quem dérom a todo o léxico do linho um duplo sentido sexual; numha formosa cantiga mesmo se emprega o símbolo da autonomia sexual das moças:

“Voume por aquí abaixo,

voume por aquí arriba,

fiando na miña roca,

gobernando na miña vida” (10)

Também os moços empregavam esta linguagem:

“Hai moito liño este ano

e ha de haber moita aresta;

debaixo da túa saia

eso é o que a min me presta”. (11)

Entre a centralidade que se lhe dá ao pêlo, e que o cultivo do linho desapareceu quase completamente, estas matáforas sexuais resultam hojee m dia bastante escuras: a imagen dumha mulher que fiando com a roca vai engordando o fuso até fazer umha maçaroca, já é difícilmente descifrável como umha metáfora da ereçom. Na poesia popular a vulva é a roca, o tasco ou o afuxalinho; o pénis o fuso e o tasco, o pénis erecto a maçaroca, e fláccido o restrelo romo; o sémen é a linhaça; e para copular fala-se de tascar, restrelar ou espadelar… Praticamente todo o repertório erótico tradicional era expressável na linguagem do linho, como demonstram os seguintes exemplos:

a) Moços metendo-se com raparigas novas que julgam sexualmente tam inexpertas como desejosas:

“As mociñas da Golada

non saben tascar o liño

e andan porta por porta

¡táscame este afuxaliño!” (12)

 

b) Homens em apuros:

“Teño tres estriguiñas,

vámolas a peinar,

Maripepa,

vámolas a peinar,

Ó peinar a gorda

no me las quiere pasar,

Maripepa,

no me las quiere pasar” (13)

 

c) Moços pedindo mais às suas amantes:

“Tascadoras do meu liño,

dádelle máis unha volta;

anque acabedes de noite,

anque crabedes non importa”. (14)

 

O espadelado, com a fálica espadela batendo nos tascos, era outra imagen erótica recorrente e até os anos 30, aliás, um presente habitual que os moços faziam às suas noivas: espadelos feitos por eles mesmos, e profusamente decorados com soles de raios, flores, pombas, peixes, etc. (15). Na seguinte cantiga apreza-se bem a conceçom popular do sexo como mundus inversus, parêntese carnavalesca na que se invertem os papeis sob o signo jocoso do demo.

“Este é o demo, meniña,

que anda na casa de Marcos:

o home é o que espadela

e a muller ponlle os tascos”. (16)

Assim como o fiadeiro e a sua linguagem expressam um erotismo carnavalesco, o próprio Entruido também incorpora personagens de fiadeiro como representantes dos prazeres da carne. No Natal carnavalesco dos Ancares a cardadora era uma personagem mais na mascarada de Reis (17), e no Entruido de Valdeorras organizava-se um fiadeiro paródico: “ían reunindo á xente e despois aparecían os vellos, vestidos con enaguas de muller. Igual cós zamarreiros, levaban un pau cun trapo emporcallado para perseguí-la xente ou levantarle-las saias ás mulleres. Outro personaxe característico era o cardador. O seu obxectivo prioritario eran as mulleres. Tentaban rañarlle-lo corpo” (18). O caso mais significativo é o do carnaval do Vale de Ilhavo, em Aveiro, onde o Cardador é a mâscara central, reservada aos moços solteiros (19). Os cardadores de Ilhavo vestem roupa interior de mulher, fitas de cores, chocalhas, e umha carauta de cortiço com um grande e fálico nariz encarnado. Os cardadores, carda em mao, perseguem as moças ao berro de “Ui tanta lã!”, tal e como na cantiga galega:

“Este ano hai moito liño,

este ano hai muita aresta;

se che dou co liño, nena,

se che dou co liño hai festa”. (20)

Atualmente os cardadores de Ilhavo levam umha carda só de madeira, sem pinchos, porque no passado registárom-se denuncias por aranhaços, médias rotas, tocamentos, etc.

Um outro jogo erótico de Entruido relacionado com o linho púbico era o de botar ‘foguetes’, tascos de linho aos que punham lume e intentavam meter debaixo das saias das moças, defendendo-se elas botando-lhos ao cabelo ou à barba para chamuscá-la. Era mui corrente pola zona de Vilarinho de Conso e outras. (21).

Para rematar, umha mostra de versatilidade sexual do léxico do linho, tirada dum diálogo carnavalesco do Entruido de Morlám:

“Ramona:

Moi boas tardes, langrán,

andas medio amurriñado,

para ti aquí non hai liño,

podes marchar de contado.

Ramón:

O liño déixao na roca

e non o tomes por abuso,

que para fiar ese liño

has de precisar de meu fuso.

Ramona:

Este liño que ti ves

fiar ha de ser fiado,

o que fuso non cho quero,

antes busco outro prestado.

Ramón:

Por todo o que levo oído,

e non me quero engañar,

xa non sería o primeiro

que tiveches que buscar.

Ramona:

Eu fiar fiei con moitos,

non llo pedín a ninguén,

fiei dereita e sentada

e ha roca para ti tamén.

Ramón:

Seguro que sudaba

a lá que tiñas na roca;

se tiveras o meu fuso

verías que mazaroca.

Ramona:

Co viño que tes encima

vaite por aí, lambón,

metendo o fuso no cu

fas unha asa para un porrón” (22)

 

NOTAS:

  1. Federici, S., Calibán y la bruja. Mujeres, cuerpo y acumulación originaria. Madrid, Traficantes de Sueños, 2011.
  2. Kraemer & Sprenger, El martillo de las brujas. Madrid, Felmar, 1976, p. 492.
  3. Mariño Ferro, X. R. Satán, sus siervas las brujas y la religión del mal. Vigo. Xerais, 1984, pp. 360-361.
  4. In: Vignati, A. Arde bruja, mago arde. Barcelona, ATE, 1973, pp. 70-71.
  5. Alguns exemplos em: Mariño Ferro, X. R. La medicina popular interpretada I. Vigo, Xerais, 1985, pp. 220-228.
  6. Moreno Feliú, P. La lógica de las transacciones económicas en Campo Lameiro, tese doutoral inédita, pp. 44-45. Citada em: Mariño Ferro, op.cit., 1984, p. 125.
  7. Cátedra, M. “Notas sobre la envidia: Los “ojos malos” entre los Vaqueiros de Alzada”, in: Lisón Tolosana, C. Temas de Antropología española. Madrid, Akal, 1976, p. 48.
  8. Murguía, M. Galicia. Barcelona, Daniel Cortezo, 1888, pp. 219-220.
  9. Mariño Ferro, X. R. O sexo na poesía popular. Vigo, Edicións do Cumio, 1995, p. 37. Deste livro, imprescindível para compreender o simbolismo sexual do cancioneiro popular, tiro os exemplos citados a continuaçom.
  10. Rico Verea, M. Cancioneiro popular das terras do Tamarela. Vigo, Galaxia, 1989, p. 33.
  11. Blanco, D. A poesía popular en Galicia 1745-1885 (2 vols.). Vigo, Xerais, 1992, nº 1050.
  12. Cabanillas, R. Cancioneiro popular galego. Vigo, Galaxia, 1987, nº 753.
  13. Blanco, D. cit., nº 1341.
  14. Pérez Ballesteros, J. Cancionero popular gallego. Madrid. Akal, vol. I, 1979, p. 152.
  15. Rodríguez Calviño, M. e M. B. Sáenz-Chas Díaz, “Traballos de axuda mutua (coord.) Encontro coa etnografía. Noia, Toxosoutos, 2005, pp. 175-200.
  16. Blanco, D. cit., nº 1145.
  17. González Reboredo, J. M. e J. Rodríguez Campos. Antropología y etnografía de las proximidades de la sierra de Ancares (vol. I). Lugo, Deputación, 1990, p. 115.
  18. Cocho, F. O carnaval en Galicia. Vigo, Xerais, 1992 (2ª ed.), p. 184.
  19. González, Óscar J. Mascaradas de la península Ibérica. Conceyu de Ponga e Concello de Laza, 2014, p. 324.
  20. Pérez Ballesteros, J. cit., I, p. 19.
  21. González, Óscar, J. cit., pp. 143, 154, 163.
  22. Mariño Ferro, X. R. cit., 1995, pp. 138-139.

Na Terra Ancha, 9 de agosto de 2014

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Autodeterminantes

Carlos C. Varela

“Duas pessoas aguardam na rua um aconte-

cimento e a apariçom dos primeiros atores.

O acontecimento já está a ocorrer e eles som

os atores”

J.L. Borges, Outras inquisiçons

salvaterraNa última década produzui-se no movimiento popular galego umha silenciosa mudança de paradigma, que nom deu em novos “-ismos” nem em teorias em ediçom de luxo, senom em dúzias de pequenos projetos autogeridos nos mais diversos ámbitos: meios de comunicaçom comunitários, escolas, rede de centros sociais, cooperativas, etc. Por convicçom ou necessidade, os canais habituais da política fôrom saltados e sem esperar por permissom algumha, muitas pessoas pugérom-se maos à obra na defesa e construçom dumha Terra que nom podia aguardar mais. Perante um sistema económico que nem sequer permite viver dignamente as assalariadas, produçom cooperativa; perante as monoculturas da indústria cultural, música e editoras em mao comum; perante a expropriaçom e mercantilizaçom da biodiversidade, bancos de sementes autóctones. Umha constelaçom de iniciativas está a transformar, aqui e agora, espaços tam importantes para a vida como a criança, educaçom, alimentaçom, informaçom, desporto ou língua. Multiplicar estas iniciativas autónomas, e sobretodo densificá-las, é o repto que temos por diante se queremos sobreviver a esta barbárie generalizada.

Num contexto nom tam diferente deste, no meio dumha implosom da monarquia espanhola e com ventos constituíntes sulcando a nossa Terra, o militante galeguista Ramón Obella realiza umha proposta tam audaz que desborda a imaginaçom política da época. Obella propom iniciar a “autodeterminaçom funcional da Galiza” na década de 30: para além de qualquer eventual referendo pactuado com o Estado, cumpria ir-se dotando de todos os meios necessários para ir-se autodeterminando já no dia a dia. Meios que, em todo caso, seriam imprescindíveis mesmo conseguindo a autodeterminaçom formal. Ramón Obella estava a propor um processo constituínte ‘por baixo’; Ramón Obella estava a falar de zapatismo com meio século de antelaçom.

Mas para autodeterminarmo-nos é preciso superar o nosso estado de dependência, abandonar as paixons tristes, perguntarmo-nos com Spinoza “quanto pode um corpo?”. Zaid e Illich chamaram a atençom sobre como o capitalismo nos expropriou mesmo a consciência da nossa potencia, os nossos saberes-poderes comunitários ou as formas de ajuda mútua com as que resistimos à invasom do mercado. Para superar esta “incompetencia planificada” é imprescindível recobrar a memória deste corpo que chamamos Galiza. Recordar, por exemplo, que os sistemas de canalizaçom de água –que agora pretendem privatizar- nom lhas devemos em muitos casos ao Estado-providência, senom à autogestom vizinhal; recordar que a saúde pública nom foi nengum presente, senom umha conquista; ou que tampouco a Galiza tivo desde meados do s. XIX umha maior taxa de alfabetizaçom masculina graças a algum despotismo ilustrado, senom à criaçom comunal de escolas de ferrado.

Na comarca do Condado, o Festival da Poesia é o recordatório festivo do que pode o nosso corpo: a supervivência do monte em mao-comum como experiência de autogestom democrática; o potente movimiento vizinhal que durante a chamada Transiçom nasce enraizada nele e desemboca no municipalismo; umha efervescência de luitas anti-caciquis e em defesa da Terra; iniciativas culturais e desportivas; A voz do Condado… O Festival da Poesia é a prova do que podemos, de que somos autodeterminantes quando cortamos as cordas do teatro de títeres e nos tornamos atrizes e atores das nossas vidas.

Na Terra Ancha, 24 de julho de 2014

Este texto foi o Limiar da Antologia Poética do 28º Festival da Poesia no Condado