E a novidade editorial de Através este outono é…

capa libroOs textos que Carlos Calvo nos entrega neste livro som como estouros de estalitroques, como a vaca-loura diante da escavadora, como as bandeiras que aparecem nos prados, como umha janela recém pintada de azul, como um quero-te na ponta da língua, como umha escola com crianças a falar a nossa língua, como pegadas de urso no Courel. Som palavras criadoras.

O livro de Carlos Calvo deveria estar na mao de muita gente. Nas cafetarias dos liceus, nas bibliotecas públicas, nos albergues de montanha, nas salas públicas dos hospitais, nos salons de cabeleireiros, no revisteiro dos bares. É desses livros que facilitam a vida porque a explicam. Um desses livros onde as cousas se explicam bem, de forma singela, para facilitar as dificuldades. Este livro ajuda, assiste, colabora. Talvez haja quem pense que todos os livros ajudam. Mas o de Carlos Calvo tem a raiz na generosidade de quem participa ativamente com as suas palavras neste projeto que queremos transformar e chamamos Galiza, Mundo, Vida. Porque Carlos Calvo é um ativista. Apesar de que queiram desativá-lo entre as quatro paredes dumha prisom espanhola, Carlos Calvo dinamiza, ativa, participa e transforma.
Sobre Diários. [Prólogo de Sechu Sende]

Título: Diários
Autor: Carlos Calvo Varela
Data de impressão: outubro 2015, 1ª edição
Edita: Através Editora
Descrição: 123 páginas + 20 pág. de desenhos, 19 x 13 cm
Encadernação: brochado
Coleção: Através das Ideias, 8
Capa: Hugo Rios
Diagramação: Matias G. Rodríguez
ISBN: 978-84-87305-97-9
Depósito legal: C 1906-2015
Preço Clube: 11,20 €
Preço Livrarias: 14 €

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Valle-Inclán, galeguismo e Lusofonia

Carlos C. Varela

As relações entre o “nacionalismo” e o “nacional” são conflituosas na Galiza e seguramente também sintoma de precariedade. Creio que era Xurxo Borrazás que propunha imprimir uma viragem “queer” à literatura galega: reapropriarmos, para o imaginário nacional, os ingentes recursos simbólicos que ficaram fora do nacionalismo. Também há propostas de estratégias de descolonização à maneira de Homi Bhabha: erodir, a partir do interior, a narrativa do colonizador, explorar as suas contradições. É o que faz Ernesto Vázquez Souza, por exemplo, descobrindo uma Francesada que tem mais de afirmação galega do que de “independência de Espanha”. São caminhos discursivos para transitar do nacionalismo para o nacional, de abandonar o resistencialismo para encetar a hegemonia. Porém, ainda suscitam desconfiança, seguramente por dous motivos: a fraqueza do nacionalismo galego e a lembrança da armadilha teórica do pinheirismo (e as suas reedições atuais).

Em Valle-Inclán lusófilo: documentos (1900-1936), Rosário Mascato Rey propõe-nos um destes experimentos, uma “outra maneira de ler Valle-Inclán”, que não é outra que “a que nos permita recuperá-lo para, da Galiza, torná-lo lusofonamente universal”. Isto é, lermos Valle-Inclán tal e como as irlandesas leem Joyce ou Yeats.

O livro abre-se com uma visita guiada pola biblioteca do escritor arouçano, que espelha bem a intensidade do seu relacionamento com os intelectuais portugueses, que visitiva regularmente. E é que, com certeza, os anos de pré-guerra foram os de maior interação entre lusos e galegos. Valle-Inclán faz parte em 1922 da Junta Diretiva da Sociedade de Amigos de Portugal, e um ano depois será proposto para ocupar a polémica Cátedra de Literatura Galaico-Portuguesa. Pouca gente no estado espanhol conhecia tão bem a literatura lusa como ele, que tinha amizade com escritores como Lopes Vieira, o ‘galego’ Teixeira de Pascoaes e, sobretudo, Guerra Junqueiro (quem é influido por um agrarismo galego que, por sua vez, emprega os seus poemas na agitação componesa).

Do seu relacionamento com o nacionalismo conhecem-se, sobretudo, os desencontros: os ataques de dous “punkies” no manifesto “Máis Alá”, ou as críticas de Risco, para quem “Don Ramón non fixo na sua vida mais qu’enriquecer o castelán a conta do galego”. Contudo, também houvo encontros, até o ponto de que Carvalho Calero fala mesmo duma possível filiação às Irmandades da Fala da Corunha. Em 1910 os irmandinhos entusiasmam-se com o poema “Cantiga de vellas”, a primeira e última composição em galego de Valle-Inclán. Eugénio Carré Aldao incluirá-o imediatamente na sua Literatura Gallega, como parte da “nueva generación literaria que inspirada en modernos ideales viene a luchar pro patria”. Entre 1916 e 1918 acentua-se essa boa sintonía; a A Nosa Terra recolhe rumores duma possível obra valleinclanesca em galego, que daria um impulso de gigante ao processo de recuperação da língua.

Mas qual é o posicionamento de Valle-Inclán perante a Galiza? Para Rosario Mascato, de todo o repertório galeguista – paisagem, atlantismo, tradiçom galego-portuguesa, etc. – Valle-Inclán apenas renuncia à língua. No plano territorial, Valle-Inclán advoga por uma “deconstrução” das modenas nacionalidades ibéricas, propondo reinstaurar as antigas regiões romanas: “en esta nueva organización regional, Santiago ocupará el vértice del triángulo formado por la Lusitania y la Cantábrica, será la capital estética de ambas, con lo cual Galicia volverá a ser grande como lo ha de ser España”. Carol Maser vê aqui “a definición valleinclanesca dunha España ‘rectificada’ onde o centro ríxido da nación se relaxa, as rexións da periferia participan outra vez como membros iguais, e España deixara de se considerar un país imperial”. Não está, na realidade, tão longe da visão dum Porteiro Garea ou dum Castelao, para quem a Espanha retificada é uma também rerromanizada Hespanha. A diferença é que, enquanto o galeguismo dá à Galiza a chave da “retificação” de Hespanha e a ponte com Portugal, Valle-Inclán dilui-a na sua Lusitânia. Isto tem muito a ver com o seu posicionamento quanto a língua: o galego seria apenas um português deturpado pola contaminação castelhana. Por tanto o galego moderno não terá sentido: “Assim como o arménio foi a invenção de alguns frades, o galego foi a criação dum grupo de poetas”, declarará ao Diário de Lisboa.

Adverte Niestzsche, n’ A genealogia da moral, que “Nom há um conjunto de máximas mais importante para um historiador que este: que as verdadeiras cousas da origem dumha cousa e a sua eventual utilizaçom, a maneira da sua incorporaçom a um sistema de propósitos, som mundos à parte; que todo o que existe, nom importa qual seja a sua origem, é reinterpretado periodicamente por aqueles no poder em termos de novas intençons (…)”. Tal e como Bourdieu fala duma lógica social da diferença, caberia falar, a propósito do antedito, duma lógica nacional da diferença: um mesmo símbolo ou posicionamento pode ser de afirmação ou negação nacional, dependendo em relação com que é posto em jogo. O discurso valleinclanesco quanto à língua tem muito em comum com o reintegracionismo de hoje, e porém, o que dizia dizia-o precisamente polas razões contrárias. Ao modo de Valle-Inclán, Valera sugeria a Menéndez Pelayo que “todo gallego que no quiera escribir en castellano, escribirá en portugués, y no nos inventará otra lengua culta y literaria que jamás ha existido sino como dialecto del vulgo”. De facto, a denominação de “galego-português” era habitual entre o “oficialismo” espanhol, até que o processo de institucionalização das Autonomias dá a volta a esse discurso: agora a forma de negação é acentuar a diferença. O mesmo pôde ter sucedido com o catalão do País Valenciano. No caso basco, o espanholismo reconhecia e usava o termo Euskal Herrira ou Euskalerria (incluindo Navarra), e a diferença nacional, a afirmação basca, realizava-se através do “Euzkadi” de Sabino Arana).

O trabalho de Rosario Mascato, e a sua publicação por parte da AGAL, demonstra a boa saúde do reintegracionismo, o sector do nosso galeguismo que, sem complexos, mais está a transitar para o (inter)nacional. Um discurso que é capaz de apropriar-se de supostos “inimigos” e enriquecer-se com todos os recursos disponíveis, abrindo novos caminhos, como o reintegracionismo para ‘oficialistas’ que propõe Eduardo S. Maragoto. Ainda menos mal que na Galiza não tudo é repetir as mesmas estratégias – e as mesmas derrotas!

(Artigo publicado no Portal Galego da Língua)

19_09_12