Co novo ano, comeza un novo blogue do Carlos, desta volta sobre toponimia: Aldeias de Ordes

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Coa chegada do 2018, sae á luz un novo blogue, Aldeias de Ordes, o blogue de Carlos C. Varela sobre toponimia ordense. Nel, iranse publicando cada semana artigos escritos polo Carlos desde a prisión de Villabona sobre esta temática relacionada co nome dos lugares do concello de Ordes, a súa xente e moito máis.

Animamos desde aquí a todo o mundo a seguir este novo proxecto, ao que se pode acceder pinchando aquí. E se queres unirte á páxina de facebook de Aldeias de Ordes, entra aquí.

Bo ano para todxs!

Biblioteca de Fanto Fantini

Carlos C. Varela

envelope gato

“Trazede-me livros!”, berrava Alexandre Bóveda à sua família agarrado à janela do improvisado cárcere da Normal de Ponte Vedra. Livros contra muros, uma guerra em curso: eis a luta de presas e escritoras –como Irvine Welsh, o autor de Trainspotting, um dos livros de referência de aquém-muros- contra a pretensão do governo britânico de prohibir a introdução de livros nas cadeias; ou o periplo jurídico de Xabier Balerdi, preso político basco, para poder ler um prisão um livro que se vende legalmente na rua, Bortxaren Kontakizunetik, Kontakizunaren bortxara. Mas, que se pode acrescentar sobre a bibliofobia de um Estado fundado nas fogueiras de livros de Granada?

No cárcere de Villabona a ceiva sistemâtica de livros para resistir começou após comprobar o enorme sucesso que tivo entre os presos “sociais” o livro de Owen Jones traduzido ao espanhol como Chavs. La demonización de la clase obrera. Essa foi a mugica. Depois, uma carta à editorial madrilenha Capitán Swing, como quem lança uma garrafa ao mar: “enviades-nos livros como o de Owen Jones?”. E a mensagem engarrafada, atirada desde o arquipélago penitenciário, cruzou o oceano de betão e obtivo resposta amiga. Desde começos de ano a nossa biblioteca invisível recebe novos livros-ferramenta: um novo exemplar do Chavs; Los filántropos en harapos de Robert Tressell, elogiado por Orwell como o grande romance do proletariado britânico, e que leu em primeiro lugar um rapaz de ideias claras (um dia apresentou-se no pátio: “meu avô era máquis e matou-no a Guarda Civil; meu pai participou de guaje nas greves mineira dos anos 1960; ti és dos meus”); o demoledor livro de Matt Taibbi, La brecha. La injusticia en la era de las grandes desigualdades económicas; Espectros del capitalismo de Arundhati Roy, a quem precisamente o alunado do Rosalía de Castro de Compostela vem de outorgar o seu premio Bento de Spinoza; Malcolm X, una autobiografía contada por Alex Haley, junto com El caso Tuláyev de Víctor Serge e La historia falsa y otros escritos de Luciano Canfora, conforman finalmente uma boa trilogia carcerária: a cadeia como tomada de consciência, em Malcolm X; os presos revolucionários das purgas da URSS em Serge; e a terrível briga de Gramsci no cárcere contra quem pretendiam relegá-lo ao silêncio das estátuas no ensaio de Canfora.

Muitas graças à Capitán Swing.

Cárcere de Villabona, 21 de junho de 2017

ENTREVISTA COM ATIVISTAS DO MOVIMENTO JUVENIL CURDO

Carlos C. Varela

Em setembro de 2011 um grupo de ativistas de TATORT Kurdistam viajou até o Curdistám Norte –territórios curdos sob administraçom turca- para conhecer de primeira mao a implementaçom do Confederalismo Democrático, a nova proposta autogestionária, municipalista e assemblear da resistência curda: um processo de autodeterminaçom desde baixo que visa construir umha “democracia sem estado”. As ativistas de TATURT Kurdistam realizaram umha série de entrevistas, recolhidas, em traduçom ao inglês, no livro Democratic Autonomy in North Kurdistan. The Council Movement, Gender Liberation, and Ecology – in Practice. A entrevista aquí traduzida ao galego foi feita na cidade de Gewer a um grupo de moços de entre 16 e 26 anos. Nom fala nengumha moça porque nesse dia deslocaram-se à capital, Amed, para asistir a umha conferencia de mulheres.

curdos

Estamos mui contentes de poder falar contigo. Como afetou ao vosso trabalho o ‘Chamamento à Autonomia Democrática’em julho de 2011?

O ‘Chamamento à Autonomia Democrática’ significa que entrámos numha nova fase da resistência. A meta é agora construirmos instituiçons de auto-gestom popular, e alargar a fenda entre o povo curdo e o hegemónico estado turco.

Ao mesmo tempo o estudantado está a lutar polo direito a falar curdo nas escolas, sem que acarrete castigos disciplinários. O estudantado rejeita absolutamente o juramento diario “Feliz é quem se pode chamar a si mesmo turco”; e praticam outras formas de resistência. Estamos a intentar usar o curdo na correspondência formal, como petiçons e facturas.

Que se está passando nas aulas? Ouvimos algo sobre umha greve estudantil.

O assunto mais importante é a luta polo uso da língua curda. Estades no certo, recentemente tivemos umha greve estudantil de cinco dias, na qual participou quase o cem por cento do estudantado. Exigimos que as liçons se impartam em curdo e que os livros de texto abranjam a história e cultura curdas. A dia de hoje o sistema educativo curdo nega sistemáticamente a existência das curdas. Nas escolas primárias os Mestres batem nas crianças que nom falam turco.

Pessoalmente sofrim essa violência turca. Apenas fum capaz de expresar-me nessa língua no quinto curso. Por outra parte, as escolas exigem-nos que cantemos o hino turco e fagamos um juramento a Turquia. Quem o recusa é expulso. Mas o nosso comité estudantil está bem ancorado nas escolas, e temos um amplo rádio de açom.

O estado está a intentar adoutrinar as crianças curdas a umha tenra idade, para prever que se incorporem ao movimento de libertaçom. Separam-nos das suas famílias tam cedo como lhes é possível, requerem crianças nas zonas curdas para começar a escola pouco depois de cumprirem os quatro anos. Obviamente nós estamos por umha pronta e compreensiva educaçom, mas o estado turco, para apoiar a sua dominaçom, está a abusar das crianças. Para os nossos ativistas, o mais crucial movimento educativo tem lugar na prisom, mas obviamente as escolas estatais som um importante campo de batalha para nós. O estado fai nela a sua propaganda abertamente, enquanto nós a fazemos ocultos.

Que rol joga a mocidade no movimento curdo de libertaçom?

Pensamos que a mocidade é a vanguarda da mudança social. Som as menos inclinadas a aceitar as relaçons sociais existentes, e as suas mentes estám menos impresas com as estruturas de dominaçom do estado curdo. Aliás, por mor da realidade económica e social na qual medrárom –guerra, ocupaçom, repressom- sabem que tenhem pouco a perder, e é mais provável que fagam sacrifícios pola resistência.

Qual é a vossa relaçom com o estudantado ordinário?

Polo geral, muitos jovens que simpatizam com o movimento tenhem um alto nível educativo. Muitos estudam medicina ou outras carreiras. Apelamos os estudantes a pensarem no povo curdo e ajudar a construir estruturas comunitárias nas aldeias. Contodo preferemos que os nossos ativistas comprometidos tenham umha formaçom política melhor da que a que seguem num programa académico de estudos como advogados ou doutores. Umha estudante deve ter tempo para dedicar-se ao movimento.

Que instituiçons tedes, e como funcionam?

Auto-organizamo-nos num sistema concelhil, de acordó com os princípios desenvoltos polo Serok Apo (“Presdiente Abdullhah Öcalan”) no Confederalismo Democrático. Excluimos um sistema presidencial. Até há pouco, a estrutura institucional juvenil fazia parte oficialmente do partido, mas hojee m dia funciona autónomamente. Os movimentos juvenil e de mulheres som os componentes mais avançados do movimento curdo de libertaçom, e também implementamos o Confederalismo Democrático mais amplamente. Todos os bairros e aldeias ao redor de Gewer tenhem concelhos juvenis, cujos representantes também trabalham nos concelhos do povo. A mocidade está a planificar a transformaçom de todo Gewer numha comuna autogerida. Dividimos a cidade em vinte e sete sectores e estamos a construir concelhos para cada um. A mocidade nom só é o mais importante factor na sublevaçom, a Serhildan (nome que recebe desde a década de 1990 a resistência curda), e as açons de resistência nas ruas, senom em todas as áreas da vida social aquí em Gewer.

O trabalho juvenil adopta três formas: a cultural, social, e a resistência. O nosso trabalho cultural consiste principalmente em fortalecer as tradiçons locais e desse modo fortalecer a consciência popular. Organizamos performances teatrais sobre tomas políticos e praticamos o tradicional dengbêj curdo (umha espécie de regueifa). O nosso trabalho social abrange, entre outras cousas, o fornecemento de cuidados da saúde. Após as manifestaçons, organizamos grupos de estudantes de medicina que atendem as vítimas dos ataques policiais. Ajudamos a gente joven com desporto e aulas particulares. Estamos a trabalhar no empoderamento económico através de coletivos e cooperativas, com o objetivo de fortalecer a auto-organizaçom popular e também tornar possível a independência das nossas instituiçons face o estado turco.

O movimento curdo de libertaçom atingiu um grande sucesso nos últimos trinta anos. Tem-se despertado umha consciência curda, e nom vai volver adormecer-se rapidamente. Atualmente estamos entrando numha nova fase da revoluçom através da construçom da comunas, coletivos e cooperativas. A auto-organizaçom popular da economia visa colocar as bases para umha mudança integral das relaçons sociais imperantes, e tornar compreensíveis ao povo perspectivas que vaiam mais lá da guerra, pobreza, e ocupaçom. O movimento está a construir cooperativas aldeas, juvenis e de mulheres. O trabalho juvenil ganhou muito dinamismo desde 2007. O nosso trabalho tornou-se mais público, o que nos facilita chegar às diferentes necessidades da gente. Os diferentes níveis de autogestom permitem-nos entrar no processo de organizaçom mais fácilmente. Especialmente o trabalho a nível de vizinhança local resultou-nos ser mui mobilizador.

Falas de auto-defesa. Que é o que entendes por isso?

A mocidade é a vanguarda da Serhildan. Non só praticamos a auto-defesa militante contra os ataques policiais durante as manifestaçons, também trabalhamos ofensivamente contra as instituiçons do estado turco.

Que tipo de cooperativas tedes aquí em Gewer?

Basicamente temos cooperativas ganadeiras e agrícolas. A mocidade ajuda os adeaos com as granjas. Os nossos amigos que som engenheiros e veterinários podem ser úteis. No pasado temos ajudado na recoleçom de ervas nos campos, mas agora o exército turco usa armas químicas, e a recoleçom já nom é umha opçom. Também apoiamos as cooperativas por outras viais. Nom temos as nossas próprias cooperativas juvenis porque nom queremos que a gente nova forme relaçons polo dinheiro. Devem ser a vanguarda e motor da resistência. Polo que sempre que seja possível, os nossos quadros som sustentdos económicamente polas suas famílias.

Escuitamos que há muita droga circulando por Gewer. Quais som as vossas consideraçons sobre isto?

É um grande problema. O Estado está a intentar atraer a gente joven longe da resistência enganchando-os às drogas. Amigos meus tenhem visto a polícia distribuindo heroína e drogas sintéticas aos moços. Depois exploram a sua dependência e miséria económica usando-os como chivatos. A prostituiçom é outro crescente problema. Em Gewer 3.500 moços som drogaditos. Um milhar deles som ainda crianças. O movimento juvenil curdo devece por construir umha clínica de desintoxicaçom, mas carecemos de meios. Agora estamos a cuidar cinquenta moços drogopendentes e estamos a intentar afastá-los das drogas através da açom social. Esses moços necessitam terápia, polo que precisamos financiamento para poder ajudar-lhes. Finalmente intentamos integrá-los nas instituiçons políticas e sociais curdas, nom os abandonamos. Umha boa maneira de ajudar-lhes e construíndo umha clínica de ré-habilitaçom aquí, em Gewer.

Como é a vida para a gente joven em Gewer?

A guerra é umha condiçom rutinária aquí, configura a gente desde que nascem. Esta província viu muitas operaçons militares, em parte porque a resistência aquí sempre foi mui forte. A nossa geraçom medrou nesta guerra. Todos nós temos algum familiar que foi matado; alguns fomos traumatizados polos militares turcos. Quando eu tinha seis anos, o exército atacou a minha aldeia às três da madrugada. Os soldados aparecêrom às portas de cada casa e levárom-nos à praça da aldeia, humillando-nos. Polo tanto todos nós fomos desde a infância “Apocus” (crianças de Abdullah Öcalan). “Biji Serok Apo!” (Longa vida ao Presidente Öcalan!) som as primeiras palavras que muitas crianças pronunciam aquí.

Estám as instituiçons juvenis abertas a todas as moças?

Sim, qualquer umha pode unir-se. Nós nom temos problemas de recrutamento, por volta de 90% da populaçom de aqui simpatiza com o movimento. Case cada família temu m mártir nas suas fileiras. Enviamos delegaçons masculinas e femininas ao concelho da cidade. A mocidade aquí en Gewe tem as suas próprias unidade de auto-defesa que trabalham de forma independente e nom precisam tutelagens de homens adultos.

Como recrutades?

Temos diferentes maneiras. Conseguimos contatos através dos concelhos de distrito, e também em famílias patrióticas e socialistas. Nós oferecemos atividades culturais, desportos, e educaçom para a saúde, assim como formaçom política. Em todo o nosso trabalho quotidiano, estamos a intentar construir relaçons de confiança com os nossos pares.

Quantas mulheres e moças participam no movimento juvenil? Qual é a vossa relaçom com o movimento de mulheres curdas?

Junto com a mocidade, as mulheres tenhem o maior nível organizativo do movimento curdo, e as mulheres jovens som também as mais fortes, a parte mais conscienciada do movimento juvenil. As moças organizam-se principalmente conjuntamente com os moços, mas por causa da influência islámica na nossa sociedade, temas como a saúde, higiene e sexualidade tratam-nos separadas dos homens. E porque as ideias conservadoras estám ainda amplamente arraigadas na sociedade curda, amiude só as mulheres podem contactar outras mulheres, embora isto seja cada vez menos um problema entre a gente joven. Discussons sobre o patriarcado e a opressom das mulheres som centrais para a nossa ideologia e umha matéria central no trabalho formativo.

Qual é a relaçom entre sexos no vosso movimento?

No movimento juvenil, homens e mulheres organizam-se em comum. A proporçom é por volta de cinquenta-cinquenta. As mulheres entre nós som militantes, autónomas e radicais.

A vossa regiom é bastante conservadora. Intentou o estado algumha vez “pacificar-vos” com o Islám, por exemplo, com a ajuda do movimento de Gülen (islamista e nacionalista aliado de Erdogan até 2013)?

Gewer está localizada num lugar importante geoestratégicamente, e a resistência local aqui é forte. Por conseguinte o governo do AKP e o movimento de Gülen estám a intentar usar o Islám como arma contra o movimento das mulheres. Mas os seus esforços para assentarem-se fracassárom, igual que em Êlih e outras cidades curdas. Aquí há um centro de islamistas radicais que tenhem intentado influenciar a opiniom popular contra o movimento curdo. Mas a gente nom acredita neles: som em geral religiosos, com certeza, nas também experimentam a opressom em tanto que curdos, polo que nom querem ouvir falar de Gülen ou Erdogan. As famílias estám ainda estruturadas conforme normas feudais, mas nos últimos anos mudou muito, em parte pola intensidade do movimento de libertaçom nesta regiom. Há vinte anos era impensável para umha moça ir estudar a umha cidade turca, mas as moças de hoje já nom tenhem tal problema. Especialmente nas famílias socialistas e partidárias de Apo, o problema foi mais ou menos superado.

Porém como movimento nom nos opomos ao Islám ou outras religions. Rejeitamos a seita de Gülen e as suas ideias sobre um grande imperio otomano. E opomo-nos às estruturas feudais que permanecem nas famílias. Por exemplo, quando proibem as crianças irem à escola por razons “religiosas”, nós estamos contra isso. E opomo-nos ao Islam radical, porque é irreconciliável com os valores dumha ideologia democrática. Mas fundamentalmente estamos abertos a todas as religions. A religión é um assunto privado; o que é importante para nós e a ideologia democrática.

Ouvimos que muitos ativistas do movimento juvenil estám detrás das reixas. Podes-nos dizer algo sobre isto?

Nos últimos seis meses, 1.372 amigos do movimento juvenil fôrom detidos, e mais de 3.000 em total estám agora em prisom, cumprindo sentenças de seis anos a perpétua. Estamos a intentar contactarmos com as suas famílias e advogados, mas a repressom do estado curdo costuma dificultar isto. Trabalhamos estreitamente com a Associaçom de Direitos Humanos (IHD) e outras organizaçons da sociedade civil. As condiçons de vida nos cárceres som amiude atrozes, provocando que muitas pessoas desenvolvam doenças sérias e de por vida ameaçantes.

Muitos dos presos fôrom detidos a umha idade mui joven e anos depois deixam o cárcere como quadros formados. A formaçom carcerária é altamente estimada polo povo curdo, especialmente pola mocidade. Alguns queixam-se retranqueiramente de que ainda nom fôrom detidos e polo tanto assitido à “Universidade Curda”.

Qual é a situaçom das ativistas presas?

Durante a pasada década, a gente joven foi rutinariamente sinalada pola repressom. Mas nós empregamos o tempo em prisom para formar-nos a nós mesmos. O analfabetismo permanece como um sério problema aquí; impede-nos a habilidade de ensinar o movimento de libertaçom curdo como teoria. Antes, em 1994, quando eu tinha quatorze anos, fum arrestado e passei sete anos em prisom. Fum retido numha grande sala junto com sesenta pessoas, e agrupados juntos, fomos capazes de dar-nos umha educaçom e ter atividades sociais como futebol e bailes.

Mas a introduçom das celas de isolamento ‘F-type’ tornou todo isso impossível. O pessoal da prisom nom tortura físicamente a gente tam frequentemente como costumavam, mas a tortura psicológica do confinamento solitário é muito mais duro de suportar. A chamada “tortura branca” visa destruir o indivíduo e o seu espírito. Antes a meta era justamente destruir o teu corpo. Metendo-nos entre quatro paredes fora do exterior, a mente paga umha terrível portagem. Só as nossas convicçons políticas e a nossa crença na revoluçom curda nos ajudam a suportá-lo.

Pessoalmente, o tempo que passei na prisom ‘F-type’ foi o pior que eu tenha experimentado. Os curdos somos gente mui sociáveis. Nós raramente estamos sozinhos, passamos maior parte das nossas vidas com irmaos e irmás, amigos e família. A solidom é onerosa para nós. Mas como muitas ativistas curdas estám em prisom, essas celas de isolamento estám-se a saturar também, e até quatro pessoas ocupam umha cela. Isso torna possível o trabalho formativo, mesmo mais intensivo do que o era em grupos mais grandes. Afinal é um benefício das detençons maciças do estado turco.

Na esquerda alemá, persiste o preconceito de que o movimento de libertaçom curdo é nacionalista. Como responderias a isso?

Nom nos consideramos a nós mesmos nacionalistas. Somos socialistas internacionalistas e fazemos parte do movimento revolucionário mundial. Sentimo-nos conectados ás lutas de outras partes do mundo, das subleveçons no Norte de África à revolta anarquista da mocidade em Grécia. Mas de momento estamos, em tanto que curdos, sob o ataque do estado turco, e polo tanto estamos obrigados a lutar nesse terreno. O socialismo e a luta anticapitalista som componentes importantes da nossa ideologia, mas nestes momentos a nossa opressom como curdos é o nosso principal problema. E se bem somos socialistas, a sociedade curda está tradicionalmente organizada mais bem em formas anarquistas.

TATORT Kurdistan. Democratic Autonomy in North Kurdistan. The Council Movement, Gender Liberation, and Ecology – in Practice. Porsgrunn: New Compass Press. 2013, págs.. 89-98. (Traduçom ao inglês de Janet Biehl)

“ALMAS DA NOITE, FILHOS DO ROCK’N’ROLL”. MÚSICA E ANTAGONISMO SOCIAL NA COMARCA DE ORDES

Carlos C. Varela

a Tabeaio

“O primeiro em pronunciar o ritmo dos movimentos

de rebelión é, em toda a parte, a mesma coluna

sonora; que aos movimentos nom lhes serve só de fundo,

senom de isca: porque antes de nada é ao redor da

música como se acende aquela temperatura ardente e

esse espírito de rebelión que alimenta depois o

imaginário político e cultural dos movimentos”.

Franco Bolelli, A revoluçom cultural da música

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A antropóloga Marisol de la Cadena adverte que “na medida em que justamente nom todas as relaçons de antagonismo encontram a sua expressom através da política, nom toda sociedade organiza tampouco os antagonismos políticamente” (1). Tal era até há bem pouco o caso da comarca de Ordes, onde desde há décadas a música proporcionou à mocidade disidente algo que nom lhe dava a ‘política’: um campo de batalha para a rebeldia, umha escola de antagonismo. Sem muitos ‘-ismos’ nem microidentidades partidárias à mao, sem um nível de autoorganizaçom que si havia em comarcas semelhantes, como na da Estrada, na de Ordes e radicalidade expressou-se antes por ritmos do que por discursos. Simplesmente eras do rock (e mais tarde tamén do hip-hop) ou da música comecial, do Badulaque ou de LP45, da diversom canônica do entruido homologado ou da greve humana permanente; “os engominados de discoteca contra os melenudos dos porros”, em certeira explicaçom dum amigo.

É difícil saber quando começou todo. Numha visita carcerária do Astrónomo de Queixas, o nosso galego na rádio libre Hala Bedi, emocionamo-nos com a ideia de fazer un aarquivo destas biografias sonoras. Há modelos mui interessantes, como a história oral dos Diplomáticos de Monte Alto, que fijo o Rodri Suárez (2); ou Tropikales y radicales. Experiencias alternativas y luchas autónomas en Euskal Herria [1985-1990], livro de Jtxo Estebaranz (3) que fazia memória das rebeldías vascas, intercalando bandas sonoras e muito material gráfico da época: cartazes de concertos, fanzines, carátolas de discos… Por onde começar?

Os mitos fundacionais recordam a chegada de Xurxo Souto a Cerzeda para traer a boa nova da eletrificaçom das guitarras e o rock em galego. Os indígenas parece ser que lhe contestarom que chegava tarde, que ali já se começou a fazer isso a finais dos ’70, num cortelho de Queixas onde se ensaiava prévia saca de gado à eira. Outros situam o antes e depois no festival punk ‘Desordes en Ordes’, com grupos como Kruze de Kables, que tamén deu numha maqueta. Foi lá polos últimos anos da década de ’80. Ainda se poderia –sempre se pode- retroceder mais à procura dos precursores da revolta musical: eis a efervescencia cultural da II República, com nomes próprios com o diretor da Banda de Ordes Higinio Cambeses, detido pola sua solidaridade com os presos políticos; ou Pedro do Serrador, clarinetista e à postre guerrilheiro anti-franquista. Seja como for, a música foi-se configurando na comarca como a principal escola de dissidência.

Em Cerzeda, o primeiro foco irradiador, o rock traia ecos da resistência das Encrovas, sem a qual nom se podem entender muitas cousas. Entre Zënzar –primeiro chamados Mördor- e o Festival de Rock organizado pola A.C. Lucerna formou-se umha canteira de longa duraçom da qual nom param de sair novas bandas; rapazes que com a ilusom de tocar no festival davam os primeiros passos, e com o tempo calhárom em algumhas das propostas mais consolidadas do panorama galego, como Machina no metal ou Gendebeat, o home-orquestra moderno que inventou o beat box en galego. O núcleo musical, aliás, vertebrava as intervençons noutros ámbitos: defesa da língua e cultura popular, Entruido, anti-caciquismo e, sobretudo, defesa da Terra contra Sogama e a “merda que vem no tren”. Ainda, o trabalho de Bocixa e do Astrónomo na RTV de Cerzeda desbordava amplamente as margens que se lhe supunham a umm meio de comunicaçom local e institucional.

No outro foco, a capital da comarca, os movimentos sociais tiveram mais tradiçom. Nos anos da chamada Transiçom a A. C. O Terruño (1975-1984) foi um movimento vizinhal e cultural que realmente mereceu a qualificaçom, hoje tam gastada, “de massas”. Nela auto-organizou-se a vizinhança que estava a sair da longa noite de pedra, abordárom problemas urgentes como o dos direitos das mulheres, publicarom um boletim informativo mui crítico e organizavam a Feira da Cultura Popular Galega, com grandes momentos como a representaçom teatral de Vidal Bolaño à luz do carburo. O movimento foi esmorecendo ao ser reabsorbido polo nascente sistema de partidos, que visava monopolizar a política e encaminhá-la exclusivamente à via institucional. Os principais dirigentes foram coaptados como quadros destes partidos e o que antes se fazia desde a auto-organizaçom autónoma passou a ser delegado em concelheiros. A seguinte vaga movilizadora importante foi a nucleada pola Associaçom Reintegracionista de Ordes (ARO), primeiro grupo reintegracionista de base em todo o país, cujo rádio de açom ia para além do ativismo linguïstico, e que tamén tivo as suas publicaçons periódicas, onde se ecoam outras lutas como a sindical na fábrica de Viriato. De maneira parecida a como sucederá com O Terruño, chegou um momento em que para criar e manter o BNG local as suas ativistas tiverom que concentrar na política de partidos os seus esforços, e a ARO nom tivo continuidade. Ou polo menos como tal, porque a AC. Obradoiro da História, senlheira no movimento da recuperaçom da memória histórica, e o seu alma mater Manolo Paços, venhem de algum jeito de aquela experiência, que tamén deixou herdançasa em cousas como na opçom reintegracionista de bandas como O Chícharo Psicótico.

Histórias cíclicas de movimentos autónomos recuperados na forma-partido… O que nom houvo maneira de recuperar, afortunadamente, foi o rock, expressom em Ordes de algo parecido ao que Hobsbawn chamou “rebeldes primitivos”. Umha das bandas de mais calado na comarca foi Kastomä, saída do ecosistema da tribo rururbana dos “heavies de merelhe”, aldeia convertida em bairro polo crescimento urbanístico onde se podiam ver graffitis tam sugerentes como um enorme “Motorhëad” com letras caligráficas, no muro dumha horta. Noutro bairro smirrural, o Paraiso, um desporto minoritário como o hóquei patins colhia tintes contra-culturais, ainda que só fosse porque desafiava a monocultura futebolística e fortalecia a comunidade. Na década de ’90 podiam-se ver cenas tam curiosas como um grupo de rapazes a jogar ao hóquei no meio da rua, com dous contentores deitados a modo de balizas. Os encontros de liga, especialmente os derbies contra o Liceo da Corunha, eran como esses desportos da luta de classes que Owen Jones bota em falta no moderno futebol inglês (4). O pavilhom do Castelao vibrava de aquelas com cânticos contra o clube corunhês, nom tanto por ser um dos mehores do mundo quanto por ser emblema de burguesia corunhesa. “Ellos dicen: ‘Son gamberros’/pero lo nuestro es política”, cantava La Polla Records. Ainda, por volta do hóquei os siareiros autoeditavam um fanzine de muito mérito, que mesmo incluia umha seçom de banda desenhada obra de Gonzalo.

O boom da movida ordense, que converteu a vila em centro de ócio noturno, precipitou a apariçom de locais alternativos à monotemática oferta de música disco e latina (na altura irreapropriável para o protesto social). No meio de tam ingente ecosistema de locais noturnos, mantinham o pulso pubs legendários como o Badulaque, com rock ao vivo, e mesmo locais reggae como o Selassie. Se a juventude contestatária ordense nom tinha muito ‘-ismo’ rebelde entre o qual escolher, si tinha polo menos um amplo abano de ritmos rebeldes. Nom acabavam de calhar formas organizadas de ativismo juvenil, mais lá dumha intermitente Galiza Nova, mas um ambiente antagónico flotava por toda a parte; como nas paredes dum pub onde se podia ver um autocolante bem curioso: a reproduçom fac-similiar dum comunicado da IV Agrupaçom do Exército Guerrilheiro da Galiza reivindicando unha açom que tivera lugar na comarca sesenta anos atrás. E ao lado, se calhar, umha foto de Hendrix. Isso era Ordes, umha guerrilha difusa sempre na folha do gume, entre o niilismo e a rebeldia.

Com a chegada da nova língua franca do ghetto, o hip-hop, Ordes renovou o seu antagonismo social e de passo –mais lá da piscadela primeira de Os Resentidos- inventou o rap em galego. Cousas estranhas numha vila onde os semáforos conviviam com o gado: muros que berravam, com um novo cuidado estético (5), cousas como “Fraga, vai trabalhar a Canárias!”, muito antes de que o graffiti se torna-se umha arte legítima e vías de museificaçom; intercámbios de revistas de arte urbana nos tempos pré-internautas; e um grupo de rapazes que vinham às passantias de Ana com cassettes gravados com algo nunca ouvido, que recordava vagamente às regueifas dos velhos e que depois reelaboravam com sotaque galego num cortelho de Penelas.

Há muito por cartografar nesta revolta contagiosa. Som já centos de concertos e de letras, um trono metálico que se extende polo proto-centro social O Tiçom de Messia; os Ith, no eixo roqueiro que tira para Xanceda e Teixeiro; o Meigas Fora de Poulo e a Revoltosa de Santa Cruz, incluindo o igualmente proto-centro social de Montaos na Pontragha; o pub Non Sei da Silva; o Festival das Flores e o rock (e cinema!) série B de Sigüeiro; o mais joven Som de Traço… Plus de bruit!

NOTAS:

  1. Marisol de la Cadena, “Política indígena: un análisis más allá de “la política””, WAN-ejournal, nº4, abril 2008.
  2. Rodri Suárez, Non temos medo. Historia oral de Os Diplomáticos de Monte Alto, Nicetrip ediçom autogerida, 2014.
  3. Jtxo Estebaranz, Tropikales y radicales. Experiencias alternativas y luchas autónomas en Euskal Herria [1985-1990], Bilbau, Gatazkaren aztarnak, 2007.
  4. Owen Jones, The Demonization of the Working Class, N/E, 2011.
  5. E é que o graffiti já tinha praticantes em Ordes na década de 1940, quando os colaboradores do Exército Guerrilheiro, Luciano Concheiro e Manuel Astray, encheram a Avenida Alfonso Senra e o mesmíssimo quartel da Guarda Civil de consignas anti-fascistas. Conta-o um dos protagonistas em: Manuel Astray Rivas, Síndrome del 36. La IV Agrupación del Ejército Guerrillero de Galicia, Sada, Ediciós do Castro, 1992.

(José A. Regueiro, ‘Tabe’, baixista da banda de rock galego Zënzar, faleceu hoxe despois de padecer unha grave enfermidade desde hai seis meses. Adicado a el)

Fragmentos de correspondência carcerária

Carlos C. Varela

sobre praia

A Revolta, 25 de janeiro de 2016

“(…) contárom-me tamén que inda tenhem alcalde de bairro, mas que desde que ghoverna o PP, já nom o escolhem mais as vizinhas. A última vez que o escolheram eles, fora um domingo à saída da missa (nom lembro o ano, pensó que me digeram 85), que só se apresentaram Pinho e Louzao (o Pinho vem polo bar) e ganhara Pinho por muita diferença. Pinho é socialista e conta-me mui orgulhoso como conseguiu que muitas mulheres d’ali, quando sacarom o decreto lei para que as amas de casa puideram cotizar pola agrária, e estava el de alcalde de bairro, tiveram agora a paga e muitas cousinhas mais (…)”.

C.P. Cáceres II, 10 de fevereiro de 2016

(vem o recorte duma notícia de Berria “Isaac Xubin itzultzaile galiziarra saritu du Etxapare instituak”, e a tradução num post-it.).

“(…) ¡Ah!, en relación con el fuego, me viene a la mente el proyecto de soberanía energética de Bera (Nafarroa), que tiene que ver también con la gestión sostenible de los bosques; puede que a tus amigos comuneros les interese. Han cambiado todas las instalaciones municipales de calefacción de gas y gasoil por una común de “pelet”, calentando desde un centro único el polideportivo, la escuela, el ayuntamiento… Además, hasta ahora compraban la madera (“pelet”) a otras regiones de Nafarroa pero ya están pensando en ser autosuficientes, cambiando el sistema tradicional de reparto de madera comunal por una cooperativa forestal.

(…) Alguien ya dijo que es más fácil hacer la guerra que construir la paz, y ¡cuanta razón tenía!; me doy cuenta de que a pesar de la dureza de la lucha armada, para algunos es más cómodo seguir una inercia en el resistir que en el innovar, probar otras dinámicas, y el abrir la mente. Yo diría que es una comodidad mental, Carlos, pues tú bien sabes que ¡esto de cómodo no tiene ni ostias! (…)”.

Oostvorne, 6 de março de 2016

“(…) deunos tempo de visitar Praga e Budapest. Nesta última cidade, aparte de ir aos baños, como facían os meus avós en Carballo, vimos unha catedral na que teñen enterrados, un a cada lado do altar, ao primeiro rei de Hungría e a Puskas, compartindo honras!!

E falando de fútbol (voetbal en holandés, vou aprendendo!) creo que podemos establecer un certo paralelismo entre o Encrobas e o Dépor. Ambos fixeron unha primeira volta de película, pero na segunda vaia por Dios…

(…) cando morreu miña avoa, que eu estaba no tanatorio con un irmán dela, aparece outro paisano e dille:

-“A ver, Domingo, cando montas ti unha fesa destas?”

E dille el:

-“Se queres facémola os dous xuntos, que aínda nos fan precio”. Viva o humor negro chaval!”.

Vigo, 9 de março de 2016

(Uma aquarela do Merdeiro do Berbês!)

Castro de Marçoa, 30 de março de 2016

(Com uma fotografia histórica da Associaçom Reintegracionista de Ordes)

“(…) Estive em Loureda a saudar à tua mae, mas nom estava, voltarei outro dia… Boa primavera!”.

Lycée Horticole de Blois, 5 de abril de 2016

“(…) Dizia-che que tinha medo de encontrar-me umha França a meio camino entre Houellebecq e o Germinal de Zok, mas acho que ia bastante desencaminhado (…). O sítio em que me encontró é umha chaira enorme, atravessada polo imenso Loira (La Loire, em feminino, em francés). Vale de Loira de longos céus, pensó lembrando a Terra Chá de Manuel María na voz de Suso Vaamonde (…)”.

Vila de Grácia, 8 de abril de 2016

“(…) está forte o Dépor e as equipas galegas em geral. Eu agora co futebol e o Barça ando algo desconectado. Na Grácia dende fai dous anos estamos a seguir o Europa, equipa do nosso bairro e umha das equipas fundadoras da Liga. Fundamos un grupo de siareiras, chamamo-nos Eskapulats, em referência ao escapulario que levamos na equipaçom. Tentamos nom entrar no rolho ultra de garrulismo e machismo. Buscamos a reciprocidade entre a rua e a equipa levando os problemas do bairro e do país à grada”.

Quistiláns, 16 de abril de 2016

“Tenho o meu avó a dar voltas pola cozinha adiante e a mirar polas janelas cada dous por três, dizendo alternativamente “chove, caralho” e “chove, cona” com umha cortina na mao. Cada dia entendo-o um pouco melhor, porque me estou a tornar completamente dependente de meteorología como ele. É alucinante como me muda o estado anímico conforme varia o tempo: sinto-me identificado com esses galos de Barcelos que compram as velhas na feira de Valença e que ponhem de par do televisor, aí a mudar de cor conforme chova ou venha o sol…”

Cadernos de 2016

Carlos C. Varela

pinchacarneiro

ÍNCLITA ORDEN DEL TOISÓN DE ORO

Enquanto na Galiza estão a deter a independentistas pola sua atividade política, na televisão española anunciam que a infanta Leonor vem de receber o colar da Ínclita Orden del Toisón de Oro. Se quadra havia rir Cunqueiro, quem deixou escrito que a dita Ordem fora “fundada, como sabem, porque um duque de Borgonha encontrou na cama uns pelinhos loiros caidos de certa parte da sua amante, embora depois para a sua emblemática recordasse a aventura de Jasão à procura do Velhocino” (1). E é que ainda vai ter origens certas a mui ordense expressão “cago na cona da reina!”, usada em ocasiões como a de hoje.

(1). Álvaro Cunqueiro, Fábulas y leyendas de la mar, Barcelona, Tusquets, 1986, p. 207.

PORNÓGRAFOS

A pornografía moderna nasce como um género de oposição ao absolutismo, vinculada ao libre pensamento e à heresia, à filosofia natural e às ciencias; mesmo Diderot foi encarcerado por pornógrafo em 1749. Ao parecer a condena da pornografia não tinha tanto a ver com a sua explicitação do erótico –numa forma, aliás, terrivelmente machista- como com a reivindicação da autonomia, do “sexo polo sexo”, desse ámbito que Kant definia como a coincidencia entre fins e médios. A emergência destes espaços de autonomia indignava por igual a esquerda e direita, que também combaterão a aparição de uma vanguarda artística que proclamará a “arte pola arte”. “Não em balde” –diz Jordi Claramonte- “os experimentos musicais do joven Shostakovich foram qualificados unánimemente polo New York Times e polo Pravda, singular gesta, como pornografía”. (1).

Com o golpe fascista uma vaga anti-pornográfica percorreu a Galiza. No 14 de agosto de 1936 apareceu no Boletín Oficial de la Provincia uma ordem do tenente coronel da Guarda Civil Florentino González Vallés, delegado de Ordem Pública na Corunha: “Las bibliotecas de todos los centros clausurados serán eliminadas, procediéndose a la quema de toda la prensa, libros y folletos de propaganda de ideas extremistas, así como la de temas sociales y pronográficos (…)”. Não se salvará da cruzada anti-pornográfica Vicente Díaz Veiga, a.k.a. ‘Carro de Lídia’, figura extraordinária do obreirismo ferrolão (2). Carpinteiro de profissão e emigrante retornado, Carro de Lídia escrevia sobre assuntos rurais na imprensa obreira. Refugiado dos fascistas na Cova de Ponte Prados, entre as praias de Baldovinho e Pantim, é detido pola Guarda Civil em junho de 1937, quando já levava um ano vivendo ali a base de marisco, peixe e verduras. No registro da furna incautam-lhe as seguintes cousas:

-Ferramentas de trabalho.

-O rascunho dum poema contra o exército e a Igreja.

-Um projeto de “Município Livre de Baldovinho”.

-Vários exemplares da revista valenciana Estudios.

Esta última publicação, mui popular entre o movimento libertário galego, e de teses naturistas, foi tomada polo Ilustríssimo Juiz por pornografia. Enviado ao Castelo de S. Felipe, Carro de Lídia livra-se da pena de morte, que lhe é comutada pola prisão perpétua. Antes de sair em liberdade em 1944 passa polos penais de São Sebastião, Burgos e Corunha. Fora dos muros retoma a colaboração com a resistência galega, sendo detido novamente por mor dum delator. Cumprirá novamente condena no cárcere do El Dueso entre 1949 e 1953, tempo que aproveitará para escrever trabalhos como La crucifixión del labriego, autoeditado em 1965.

(1). Jordi Claramonte, Lo que puede un cuerpo. Ensayos de estética modal, militarismo y pornografía, Murcia, Cendeac, 2009, pp. 65-66.

(2). Eliseo Fernández, Obreirismo ferrolán, Vigo, A Nosa Terra, 2005, p. 76 e 159.

O COMUNISMO HÁ CHEGAR DE BICICLETA

O I Congreso Nacional de Ciclistas Vermelhos tivo lugar em Itália num 24 de agosto de 1913. Os obreiros lá reunidos elevaram a bicicleta à categoria de “veículo do povo”, muito antes de que o carro privado aparecesse como primeiro objetivo da emancipação consumista do proletariado. Entre as conclussões do citado congreso pode-se ler: “Nos periodos especiais (eleições, agitações, greves), os ciclistas vermelhos assegurarão os meios rápidos para a comunicação e a correspondencia (…). As bicicletas vermelhas serão a vanguarda da nossa propaganda e o nosso movimento, o meio polo que os nossos afiliados de todas as comarcas permanecerão em contato, em tempos de paz e de guerra”.

Tal foi o caso de José Pérez Sanmartín, latoeiro noiês que morava na vila de Ordes quando o franquismo trouxo o terror. Segundo o informe da Delegación de Orden Público Pérez Sanmartín participou da defesa da república em Ordes “con bombas de mano y en el momento de ser detenido, le fueron ocupadas dos de ellas que tenía ocultas en un monte; además sirvió de agente de enlace entre los grupos de los rojos que tenían cercada la villa de Órdenes; yendo montado en una bicicleta para transmitir las órdenes con mayor rapidez; vino a Santiago y luego marchó a La Coruña, como jefe de grupo, para hacer frente al ejército (…)”.

O ciclista vermelho de Ordes foi fuzilado no cemitério de Boisaca no amencer do 8 de fevereiro de 1937, junto com os seus companheiros que agora são conhecidos como os “11 de Ordes” (1).

(1). Manuel Pazos Gómez, A Guerra silenciada. Mortes violentas na comarca de Ordes 1936-1952, Ordes, A. C. Obradoiro da História, 2011, pp. 50-51.

CICLONAUTAS

Outras das conclussões de aquele congreso italiano de ciclistas vermelhos era a  de que “o desporto é um problema gravíssimo, que desvia a atenção dos obreiros e especialmente dos jovens. Distrai-os do estudo dos problemas sociais e afasta-os das associações políticas”. Tal e como faziam os críticos do “sexo polo sexo” ou da “arte pola arte”, os ciclistas vermelhos condenavam sem paliativos “esses jovens mais desejosos de ler La Gazetta dello Sport que o Avanti!, esses jovens preocupados só por fazer o amor e correr em bicicleta”. O ciclismo polo ciclismo resultava pronográfico. Há que deslocar a olhada para o feminismo se se quer achar uma valorização positiva da bicicleta em si.

Segundo a sufragista Elizabeth Stanton “as mulheres viajamos, pedaleando, cara ao direito de voto”, e para Susan Anthony “a bicicleta fijo mais do que nada e mais do que ninguém pola emancipação das mulheres no mundo” (1). Com a nova viatura podia-se viajar até quatro vezes mais rápido do que caminando, facilitando uma grande autonomia e liberdade de movimentos, superando as fronteiras da cidade burguesa e a sua moral. O seu uso, aliás, justificou que as mulheres se pudessem desprender de prendas-cárcere como o corsé e as saias incômodas, e em nome da liberdade de pedaleio chegou também a liberdade de pensamento: em calças desportivas foi, com certeza, mais fácil imaginar a emancipação feminista (2).

Assim as cousas cada pedalada foi acompanhada pola sua correspondente condena. Já o famoso criminólogo Cesare Lombruso acusara a bicicleta em 1900 de ser “o veículo mais rápido no camino à delinquência, porque a paixão polo pedal arrasta ao roubo, à estafa e ao atraco”; ainda, os seus colegas descreviam na Literary Digest a doentia “cara de ciclista”. O principal reproche anti-ciclista vinha, como sempre, do lado dos escudeiros da moral sexual. Num dos seus últimos contos Neira Vilas recorda a condena, em plena missa, que levou uma moça por passear de bibicleta excitando o crego (3). Em La moralidad pública y su evolución, um livro editado em 1944 polo franquismo de forma reservada, só para as autoridades do regime, temia-se pola 2perjudicial influencia que la generalización del uso de la bicicleta ha producido en orden a las excursiones lejos de la ciudad” (4), que as parelhas novas aproveitavam para terem algo de intimidade. Mas a bicicleta não só conduzia rápidamente aos territórios do pecado: era um pecado em si. A fricção da entreperna feminina com o silhim preocupou, e muito, a toda a congregação da polícia sexual, formada por médicos, sacerdotes e demais gente de ordem. Tão indecoroso roze, prognosticavam os científicos, havia producir histérias, infertilidades e abortos, até deixar as mulheres loucas polo prazer de pedalear.

(1). Tomei estas citas de Eduardo Galeano, “Alarma: ¡Bicicletas!”, Mujeres, Madrid, Siglo XXI, 2015. Seguro que se podem encontrar muitas mais referências em Biciosos, o libro de Pedro Bravo.

(2). Philipp Blom, Años de vértigo. Cultura y cambio en Occidente, 1900-1914.

(3). Xosé Neira Vilas, Romaría de historias, Vigo, Galaxia, 2015, p. 65.

(4). La moralidad pública y su evolución, Madrid, edição reservada, 1944, p. 83. Cit. Em Carmen Martín Gante, Usos amorosos de la post-guerra española, Barcelona, Círculo de Lectores, 1988, p. 235.

AS FRICATRIZES DA AMAIA

Os rapazes quando saem de “caralhada” falam de ‘meter’, ‘pinchar’, ‘cravar’, etc., enquanto as moças –polo menos as da Amaia- falam mais bem de ‘frotar’ explicitando as diferentes mitologias sexuais que articulam os desejos de homens e mulheres. O temor à frotação com o silhim de bici é só um capítulo mais da longa história masculinista do temor à fricção feminina, isto é: à autonomia sexual das mulheres. O silhim e o clítoris tornavam prescindíveis os homens, numa forma de prazer que Freud aginha rebaixará a “imaduro”. Quando a começos do s. XVII Thomas Bartholin revisa as Institutiones anatomicae, propõe chamar ao clítoris “despreço dos homens”, verbalizando um pesadelo masculino que pairará caladamente tras os intentos europeios de masificar a cliteridectomia nos séculos posteriores, uma empresa pretensamente científica. Nesse período a literatura médica –mais tarde ampliada pola etnográfica- enche-se de monstruosas gravuras e fotografias de mulheres dotadas de clítores prodigiosos, capazes de intimidar o mais orgulhoso pénis. Fala-se então do tribadismo, prática já documentada polo granadino Al-Hassan ibn Muhamad al Wassan, mais conhecido em Europa como Leão o Africano. Na sua Cosmografia e geografia de África, publicada póstumamente em 1550 como Da descrição de África, fala das fricatrizes de Fez, uma sorte de bruxas possuidas –segundo eles- por yinns, e que gozavam fregando-se entre elas, inconscientes precursoras das ciclistas.

AS GRANDES DESCOBERTAS

1492: Cristóvão Colombo dá início a uma tradição europeia consistente em que homens, igualmente europeios, imponham os seus próprios nomes aos territórios conquistados no novo continente, visto como uma mulher que seducir, dominar e civilizar.

1559: Um anatomista italiano de igual nome que o almirante, Realdo Colombo, reivindica-se descobridor de um novo territorio no continente feminino: o clítoris. “Como ninguém observara antes esta projeção e o seu conteúdo, se se me permite dar nome ao que eu mesmo descobri, proponho baptizá-lo como “amor ou dozura de Vénus”. Seguirão-no na empresa outros como Gabriel Falopio, descobridor de outra ilha feminina que pujo no mapa com o seu nome: “as trompas de Falópio”.

De Colómbia à trompa de Falopio, da lógica sexual do colonialismo à lógica colonial da anatomía, do continente a dominar como uma mulher à mulher a conhecer como um territorio de conquista… Assim foi que as mulheres nahuas passaram de ter zacapilli e zacapilcualt a não ter uma difuminada “mi parte”.

FRAGMENTOS DUM TRATADO DE DEMONOLOGIA (I)

X.R.Mariño Ferro nota uma diferença fundamental entre a representação do demo e das bruxas que se fazem os inquisitores e a cultura popular: os primeiros apresentam uma maldade absoluta, sema restas, enquanto os relatos populares matizam este mal teológico com contos de diabos mais bem parvos, que os astutos labregos sabem vencer (1). É o caso, por exemplo, dos demos que pretendem engañar o camponês no moinho e que, sem decatar-se, rematam trabalhando para o labrego. Creio que havia de gostar muito destas histórias esse grande revolucionário de incógnito que foi G.K. Chesterton, pois tal e como deixou escrito, “os contos de fadas são verídicos não só porque nos explicam que os dragões existem, senão também porque nos explicam que se podem vencer”.

O TRACTOR DE BENDILHÓ

Na cena final do Bienvenido Mister Marshall um tractor paraquedista pousa suavemente numa leira, cumprindo o sonho americano dum concelho espanhol de após-guerra. A tragicomedia de Berlanga representava um povo afundido na miséria, completamente despolitizado polo shock da violência fascista, e cuja única esperança era a chegada do salvador americano, preparada de uma maneira mágica que fai recordar os cultos cargo de algumas ilhas do Pacífico, cujos habitantes dispunham de “pistas de aterragem” para a chegada do deus da Coca Cola. Mas nem sempre o povo foi ese conjunto desarticulado de sofrimentos, despojado de toda potência.

Na Primavera de 1936 os cinquenta e três vecinhos de Bendilhó (Quiroga) repartirom as terras do cura –fugido após receber uns anónimos (1)- entre todas as casas, converterom a reitoral no local do seu sindicato, e solicitaron à CNT colaboração para mercar um tractor para os trabalhos coletivos da aldeia, eregida em Comuna Agrícola Libertária (2). Deu-lhes apoio o Sindicato da Construção da Corunha, que propujo ao Comité Regional Galaico que todos os federados contribuissem para a compra do tractor de Bendilhó por prorrata, projeto cuja materialização só impediu o golpe militar, quando já juntaram vinte mil pesetas (3). Sem aguardarem por nenhum Mister Marshall, Estatuto de Autonomia nem Presidente da República. Sem cultos cargo à espera de messias eleitorais.

(1). Estes anónimos fôrom um género que contou com magníficos cultivadores, como demonstra este de 1788: “(…) párroco de Camanzo, párroco de los demonios, tu acabas ós probes, que lle vendes o que tén para comer; tu non nos vestes, como fai o de Piloño, tu non lles das ferrados de grao…; tu acabas ós probes dos fregueses, cos escribanos queres acabalos de todo… Pois si non despachas ós escribanos, e si non dis a misa pola mañá ás sete, e se non mudas de vida, juramos a Dios que has de amencer queimado…; tamén te decimos que te habemos de queimar as medas e os palleiros… Non che firmamos porque non queremos i outros porque non sabemos…”. Cit. Em C. Burgo López, Un dominio monástico femenino en la Edad Moderna. El monasterio benedictino de San Payo de Antealtares, tese doutoral, Santiago de Compostela, 1985, II, p. 985.

(2). “Los pequeños grandes problemas: Los campesinos de Bendilló (Lugo), desean ensayar el Comunismo Libertario”, Solidaridad nº 43, Corunha, 18 de abril de 1936.

(3). Conta-o Dionísio Pereira em A CNT na Galicia 1922-1936, Briom, Laiovento, 1994, p. 167.

“Não creio que tenha nada de heroico escrever no cárcere; Quem quiger épica que olhe ao seu redor”

O PGL.gal entrevistou ao Carlos, a través dunha carta enviada por correo á prisión de Villabona. Enviáronlla hai case dous meses e chegou de volta contestada por el aínda agora, despois de pasar todas as intervencións ás que ten sometida toda a correspondencia. É a primeira vez que Carlos contesta a unha entrevista. Desta volta, quen fala é el directamente, e fala de todo, do seu libro “Diários” que acaba de editar Através, da vida no cárcere, da xente, da actualidade,… Aquí vai a entrevista completa.

iii

Como se articula um livro no cárcere, sem ter acesso ao computador nem à Internet?

Aqui em Villabona há uma moça basca, a Marina, que está a redigir a sua tese de doutoramento. Parece-me que tem muito mérito. Eu não seria capaz. Apenas dou escrito cousas minhas mui fragmentarias e, de facto, os Diários são isso, apontamentos de leituras, anotações na agenda e cadernos, ideias a lápis nas margens dos livros… A escrita analógica, linear por força, não dá a mesma facilidade para as correções, reescritas e ampliações que dá o computador. Também é mais difícil fazer-se com um corpus bibliográfico: cousas que fora estão ao alcance de um clique, cá dentro leva meses poder consegui-las; há, aliás, que ir escrevendo fichas bibliográficas de todos os livros que podes ter a necessidade de citar mais adiante, mas isto também tem um limite, porque não nos permitem acumular muito papel, sobretudo nos isolamentos.

Polo contrário, no encerramento pode-se fazer um tipo de leitura mais profunda, de ritmo lento, do que aí fora no meio da voragem tecnológica. Contudo, esta leitura intensiva, unida à falta de debate, próprios da razão polémica, e à limitação das fontes, acaba por gerar deformações teóricas, como tem refletido Antom Santos num artigo na revista Murguia. Insisto, porém, no isolamento tecnológico: escritores como Richard Ford reconhecem que é impossível escrever mais de duas linhas se houver uma rede wi-fi, e ele próprio costuma recluir-se na sua cabana do bosque para poder trabalhar. Tão-pouco há que idealizar esta imagem do trabalho solitário. Todo o trabalho humano é, por definição, coletivo e no cárcere é fundamental todas as leituras e o amor que nos enviam. Deste livro, sem irmos além, deveria figurar como autora a Rosabel, o Valentim, o corretor Ivan, o diagramador Matias, os companheiros polas suas conversas nos parlatórios…

De onde surge a força para se sentar diante do papel?

Não creio que tenha nada de “heroico” escrever no cárcere; sinto-me mui incómodo com toda essa épica académico-literária a que tanto tende a cultura galega. Quem quiger épica que olhe ao seu redor, a senhora que cuida os velhos da família sem nenhum reconhecimento, o vendedor de Cds que atravessou o deserto e o estreito por enviar algo de pão à sua casa ou às mulheres que vão à prisão carregadas de valentia e amor. Escrever é um privilegio.

Levas mais de três anos privado de liberdade polo estado espanhol, e, contudo, continuas a participar com os teus textos, com este livro, ativamente, no movimento social. Que pensas sobre a função do ativismo como forma de mudança da nossa sociedade?

Não gosto muito da palavra “ativismo” polo que poda sugerir de diferença (e distinção) com a vida quotidiana, razão pela qual ir à manifestação seria algo “político” mas criar filhos com amor não. Afinal do que se trata é de começar a viver aqui e agora, uma vida que mereça a pena ser vivida, plena e digna, e para isso necessitamos tocar interdependências entre nós – se se quiger podemos chamar a fazer isto conscientemente ativismo – que nos independizem efetivamente do estado, o capital e de todas as relações de dominação. Ninguém o pode fazer por nós, nem sequer os nossos partidos e líderes. A bruxa Avería, que também devia ser algo spinoziana, dizia-o muito bem: «sozinho não podes, com amigos sim». O individuo do liberalismo será livre por escolher entre a Pepsi e a Coca Cola, mas a liberdade real precisa de comunidade de afetos e cuidados, de cooperativas de alimentos e energia, de redes culturais auto-geridas, de línguas sustentáveis e resilientes, de meios de comunicação comunitários…. e fai falta comunidade, sobretudo, para resistir, para defender a alegria.

Um dos teus referentes é Joseba Sarrionandia. No teu livro também falas de Nelson Mandela. De que modo o teu pensamento, motivações e ativismo vê-se influenciado pola tua condição de preso político?

O Sarrionandia sempre foi um referente iniludível de bailes das noites às quintas [risos]. Em geral os presos lemos muita literatura carcerária, não só Mandela, e creio que é porque a experiência do encerramento é um pouco incomunicável, difícil de compartilhar – também a de quem tem alguém querido preso – e nesses livros encontramos sensações comuns. Soará estranho mas quando lim a entrevista ao sair da prisão de alguém que me fica tão nas antípodas como Luis Bárcenas, declarando que na prisão viu muitas malheiras a presos, sempre aos mais indefesos e com total impunidade, sentim que mesmo com esse tipo eu compartia alguma cousa, uma «verdade».

Fascina-me como a gente dos movimentos emancipatórios encontrou no cárcere a skholè, esse tempo libertado da urgência que permite desenvolver o pensamento, que não tinha na sobrevivência do seu dia a dia; conseguindo assim construir filosofias próprias, tarefa que parecia reservada aos notáveis.

Isto gerou uma retranca mui boa: as irlandesas chamavam Universidade da Liberdade à prisão britânica de Long Kesh (Seanna Walsh diz que foi mui importante para a conservação do gaélico). Os curdos não são presos no cárcere turco mas na Universidade Curda, e Ghandi, que devia ter uma ironia prodigiosa, escrevia cartas à gente do seu ashram “a partir do Templo de Yerawada”, prédio que continua a ser uma cadeia infeta hoje em dia. Por que o cárcere é um tema tabu na literatura galega apesar de que, desde 1974, passasse por ela um cento de soberanistas, alguns excelentes escritores? Creio que a resposta poderia dizer muito da nossa cultura política.

Nos últimos anos o processo de desgaleguização acelerou, mas apareceram novas formas de resistência e criatividade social. Quais são, a teu ver, as nossas fortalezas e oportunidades na situação atual?

Vejo com esperança o surgimento de uma constelação de projetos, baseados na autonomia, auto-gestão e democracia direta, pensados para durar, superando o curto prazo de memória de peixe que impõem os ciclos eleitorais. Também tenho a impressão de que um dos movimentos mais fortes é o feminismo, e isso vai ser uma garantia de que todos tenhamos que assumir que a transformação social passa incontornavelmente pola transformação pessoal e a mudança de atitudes e comportamentos nas nossas vidas quotidianas.

Quanto à desgaleguização não sei o que pensar, às vezes entra-me uma vertigem ao pensar que com os velhos e velhas está a morrer um mundo que eu tivem a imensa fortuna de viver de neno e, outras vezes, vejo fotografias das mobilizações labregas em Ordes, com crianças em tratores de pedais e convenço-me de que a indigeneidade tem melhor saúde do que pensava. Disque aí fora ainda ficam crianças que vão às amoras, fam cabanas entre os loureiros e no dia da festa apanham nos prados os canaveiros das bombas.

Politicamente estamos a pagar mui caro a monocultura eleitoral-literária dos últimos anos e o desleixo face à construção nacional e a reprodução social. Apenas levamos uma década a fazer, e isso só uma minoria marginalizada e perseguida, o que em ouras partes como no País Basco, se começou a fazer na década de 1960: construção de escolas, centros sociais, clubes desportivos e gastronómicos, etc. Aqui, com uma maioria de população indígena e galegofalante, talvez pensássemos, como Benito Vicetto, que a Galiza “sempre será a mesma”, e que “apenas” havia que chegar ao governo; mas, no caminho, com a desruralização, foi-se erodindo drasticamente a base material da nação. Cheguei a pensar que com a implosão do nosso PCI haveria um reforço da construção nacional através destes projetos que vão além da política de partidos, mas sucedeu o contrario: reativação das velhas formas de fazer politica com as suas dinamicas mais perniciosas, cooptação de motores importantes dos movimentos sociais e enfraquecimento dos mesmos, que perderam iniciativa. Assim sendo, o mais interessante, o que pode conservar mais bases materiais para a nossa terra, é muitas vezes de gente que não se identifica como soberanista, que quiça nem fale galego mas que está a criar uma economia pós-consumista. a recuperar aldeias de entre as silveiras ou a dar nova vida aos bairros deprimidos com cooperativas de todo o tipo. Têm toda a minha admiração.

Que tipo de respostas esperas com a publicação de Diários? Quais as tuas expetativas?

Michel Foucault pretendia que os seus textos, como os bilitroques, fossem “eficazes como bombas e belos como um fogo de artifício”. Esperar tanto seria mui pretensioso pola minha parte, mas é uma boa bússola na hora de escrever.

O livro inclui vários dos desenhos que elaboraste em prisão. Que te dá o facto de criar imagens?

Tenho amigos, como o Andoni, que calcetam um pulôver para os filhos, outros que fam quadros impressionantes com ponto-de-cruz ou que trabalham -nos cárceres onde isto é possível – o barro. O trabalho manual é mui prazenteiro no cárcere e mui bom para pensar. Às vezes segues argumentações com as mãos que desenham mais do que com a cabeça. “Caminhei até os meus melhores pensamentos” dixera Kierkegaard. Recuperei, ao pintar nos envelopes das cartas para os amigos, as sensações de quando fazia mentalmente os trabalhos da escola indo à erva com o meu avô.

Que dirias às pessoas que te esperam?

Que se vaiam preparando para uma churrascada selvagem, com sidra de Loureda-Soandres e canções do Erasmo Carlos, que aqui dentro não hei de ficar. Como dixera o Teto, nunca choveu que não escampara. Diria-lhes, diria-vos, que é muita a sorte de vos conhecer, que me enchedes de amor e que sinto um agradecimento imenso a todas e todos vós. Que prazer tão grande vai ser abraçar-vos! Mas diria que, enquanto ficar um só preso, um só cárcere em pé, incluídos os cárceres ao ar livre e as das relações de dominação das quais nós próprios somos carcereiros, não seremos realmente livres. Abaixo os muros das prisões! Pele e Terra!

O xoves 26 de Novembro, ás oito da tarde, no Salón de Actos da Facultade de Filosofía de Compostela, presentación-lanzamento público de ‘Diários’

Presentación de 'Diários' de Carlos C. Varela

O xoves 26 de novembro, ás oito da tarde, presentarase ‘Diários’, de Carlos, un libro editado por Através. Será no Salón de Actos da Facultade de Filosofía da Universidade de Compostela (Praza de Mazarelos).

Gustaríanos moito que se enchera o salón, que toda a xente que aprecia a Carlos ou que non o coñece persoalmente pero sinte interese polo seu caso, ou polo que escribe ou polo que debuxa, estivera ese día alí.

Preséntase o seu libro, de artigos e debuxos enviados desde a cadea nestes últimos anos, e el non vai poder estar. Que menos que cubrir a súa ausencia coa nosa presencia, aínda que a súa ausencia nunca poderá ser cuberta por ninguén mentres el non volte para Loureda. Na presentación haberá música, haberá debuxos, haberá letras e haberá a palabra de todas as persoas que desexen falar, para despois facerllo chegar tamén a el e enviarlle todo o ánimo a dentro da prisión. Estará Séchu Sende, autor do prólogo do libro, estará tamén Valentim Fagim, coordenador da edición, e moito máis.

Vémonos o xoves. Non faltedes! Por favor, avisade a toda a xente, compartide, que ninguén quede sen saber, e que todo o mundo acuda á cita!

Onde mercar o libro? Moi fácil, aquí tedes todas as librarías nas que distribúe Através

E a novidade editorial de Através este outono é…

capa libroOs textos que Carlos Calvo nos entrega neste livro som como estouros de estalitroques, como a vaca-loura diante da escavadora, como as bandeiras que aparecem nos prados, como umha janela recém pintada de azul, como um quero-te na ponta da língua, como umha escola com crianças a falar a nossa língua, como pegadas de urso no Courel. Som palavras criadoras.

O livro de Carlos Calvo deveria estar na mao de muita gente. Nas cafetarias dos liceus, nas bibliotecas públicas, nos albergues de montanha, nas salas públicas dos hospitais, nos salons de cabeleireiros, no revisteiro dos bares. É desses livros que facilitam a vida porque a explicam. Um desses livros onde as cousas se explicam bem, de forma singela, para facilitar as dificuldades. Este livro ajuda, assiste, colabora. Talvez haja quem pense que todos os livros ajudam. Mas o de Carlos Calvo tem a raiz na generosidade de quem participa ativamente com as suas palavras neste projeto que queremos transformar e chamamos Galiza, Mundo, Vida. Porque Carlos Calvo é um ativista. Apesar de que queiram desativá-lo entre as quatro paredes dumha prisom espanhola, Carlos Calvo dinamiza, ativa, participa e transforma.
Sobre Diários. [Prólogo de Sechu Sende]

Título: Diários
Autor: Carlos Calvo Varela
Data de impressão: outubro 2015, 1ª edição
Edita: Através Editora
Descrição: 123 páginas + 20 pág. de desenhos, 19 x 13 cm
Encadernação: brochado
Coleção: Através das Ideias, 8
Capa: Hugo Rios
Diagramação: Matias G. Rodríguez
ISBN: 978-84-87305-97-9
Depósito legal: C 1906-2015
Preço Clube: 11,20 €
Preço Livrarias: 14 €